Sumário (Clique nos títulos para acessar editorial ou resumos disponíveis)
Palavras de despedida
Quando convidado a assumir a editoria da Revista Brasileira de Psicanálise, em finais de 2009, pelo então presidente da SBPSP Plínio Montagna, fiquei surpreso e agradeci honrado, mas confesso que intimamente fiquei bastante perturbado pela responsabilidade e magnitude da tarefa; embora houvesse trabalhado em outras revistas psicanalíticas, fosse um assíduo leitor de revistas nacionais e estrangeiras, e tivesse escrito e publicado artigos e teses, questionava-me se estaria à altura do desafio. Recebi estímulo de alguns colegas e também desencorajamento de outros pela complexidade da tarefa.
Lisonjeado pelo convite e seduzido pela tarefa, aceitei o desafio. Mantive interessantes conversas prévias com editores de diferentes revistas psicanalíticas: queria me informar a respeito de como enxergavam o campo das publicações na nossa área, carências e necessidades frente ao alto número de publicações. Mantive estimulantes conversas com o editor anterior, Leopold Nosek, de quem recebemos uma revista moderna, com ótima diagramação e muito boa qualidade editorial.
Minha aspiração foi trabalhar conjuntamente com a equipe editorial no campo que hoje posso definir, a posteriori, como tensão criativa entre a novidade e a tradição, algo que reflete o estado clínico-teórico atual da psicanálise. Uma revista científica, para se tornar um legítimo fórum de discussão, precisa estimular a reflexão em torno dos fundamentos que sustentam as transformações na clínica, principalmente em contextos em que muitas vezes as crenças ou adesões ideológicas impedem a reflexão e o livre exercício do pensamento. Como modalidade de gestão, criamos subcomissões atentas aos diferentes eixos: administrativo, temático, avaliação de trabalhos, interface, intercâmbio, resenhas e lançamentos. Determinamos também que a equipe deveria mergulhar nos temas abordados, de modo que a concepção temática dos números obedecesse a um processo criativo grupal. Procuramos ainda promover uma transformação qualitativa que só poderia vir a ser conquistada a partir de um projeto editorial que tivesse como garantia a autonomia editorial, um aprimoramento da avaliação anônima de trabalhos a serem publicados (duplo-cego) – ancorada na crítica construtiva aos autores –, uma representatividade da produção brasileira nas suas diferente expressões, intensificando a troca com os editores regionais, e um diálogo fecundo com a pluralidade do pensamento psicanalítico mundial, assim como um olhar atento ao momento cultural e social em que estamos inseridos.
Uma atividade pela qual desenvolvemos especial interesse foi a promoção de espaços reflexivos sobre a escrita psicanalítica em congressos e jornadas específicas. Espero que este trabalho estimule futuros autores a compartilhar suas experiências e reflexões psicanalíticas através da escrita criativa e livre, o que de modo algum se contrapõe a qualidade. Acreditamos que o rigor do pensamento não se encontra na escrita burocraticamente correta, mas na qualidade do desenvolvimento das ideias, sua ancoragem na experiência e no diálogo amplo com o campo do pensamento psicanalítico. Também destacamos o aumento e constância das assinaturas externas à Febrapsi, mais um de nossos objetivos: levar a nossa revista a tantos jovens psicólogos, psiquiatras e analistas de outros espaços e grupos por todo o Brasil.
Hoje, transcorridos cinco anos de trabalho e vinte números editados, percebo a posteriori que me tornei editor no andamento da carruagem e com a colaboração inestimável de uma equipe que contribuiu de modo admirável para a concepção e execução do nosso projeto. Agradeço a todos pelo carinho e dedicação! Deixo aqui meu agradecimento a Alice Paes de Barros Arruda, nossa editora associada e parceira de toda hora na tarefa editorial, a quem convidei para escrever algumas palavras de despedida na sequência deste editorial.
Deixamos a editoria satisfeitos com o trabalho realizado, gratos pelo inestimável apoio e retorno recebido dos nossos leitores e autores. Agradeço a Plinio Montagna e Nilde Parada Franch, presidentes da SBPSP, pelo apoio e confiança sempre renovados, e aos presidentes e delegados de todos os Grupos de Estudo e Sociedades componentes da Febrapsi. Sou grato também pela adesão, estímulo e apoio dos diferentes conselhos diretores da Febrapsi dos quais participei e dos seus respectivos presidentes: Leonardo Francischelli, Gleda Brandão de Araújo e Aloysio D’Abreu. Outro agradecimento especial para nossos revisores e diagramadores, pela dedicação com que sempre nos brindaram, e também a nossa secretária Nubia Brito, uma verdadeira integrante da equipe editorial, extremamente competente e zelosa.
Nossa sucessora será Silvana Rea, que com vivo interesse e dedicação participou da equipe editorial que agora se despede. Estamos confiantes de que seu percurso intelectual e sua capacidade de diálogo e trabalho auspiciam novos avanços e bons momentos para o futuro da RBP.
Seria difícil me despedir de vocês, caros leitores, sem fazer umas mínimas referências ao presente número. Destaco dois pontos:
a) O tema da sexualidade e os múltiplos interrogantes que suscita na cultura e na clínica há tempos merecia um número especialmente dedicado a ele – e estamos contentes de conseguir apresentá-lo. Questões de gênero, homoparentalidade, o lugar da sexualidade na constituição narcísica e identificatória, novas formas de prazer e de gozo, críticas à dimensão falocêntrica de certos aspectos da teoria psicanalítica, relação entre neossexualidades e acesso ao simbólico convocam o analista a sérias reflexões clínicas e teóricas. A sexualidade, eixo estrutural do pensamento psicanalítico desde os primórdios, encontra em vários dos trabalhos publicados considerações que com certeza irão estimular o leitor e suscitar novos avanços.
b) O tempo que nos toca viver é um tempo em que a violência também assume novas formas, desde a violência de Estado, nas ditaduras do passado e atuais, até o ódio pelo diferente, que, quando estimulado, libera forças destrutivas difíceis de conter e sela destinos de populações em distintas latitudes do planeta. Como nós analistas nos posicionamos em face deste montante de destrutividade’ A entrevista com Yolanda Gampel, destacada analista argentino-israelense, apresenta sua experiência de mais de trinta anos com analisandos vítimas ou descendentes de vítimas da Shoah, assim como com as vítimas do conflito árabe-israelense – um testemunho comovente. Na seção Interface, publicamos um instigante trabalho sobre os limites do perdão que dialoga com os temas abordados por Gampel.
Por fim, aos leitores e autores que nos seguiram nessa trajetória, nosso particular agradecimento. O editor procura ser uma ponte entre vocês, colocá-los em contato, e, assim como o curador de arte, ajuda a tornar visível, através de uma lógica estética e de uma forma expositiva, a matéria criativa que tem a seu dispor. Tomara tenham apreciado nossa curadoria ao longo destes anos, feita com responsabilidade, reflexão e carinho.
Despeço-me de vocês com as palavras de Italo Calvino em As cidades invisíveis, que de certo modo sintetizam o papel que coube a cada um de nós e que tornou esta empreitada possível.
Diálogo imaginário entre Marco Polo e Kublai Khan:
Marco Polo descreve uma ponte, pedra por pedra.
– Mas qual é a pedra que sustenta a ponte’ –pergunta Kublai Khan.
– A ponte não é sustentada por essa ou aquela pedra – responde Marco –, mas pela curva do arco que elas formam.
Kublai Khan permanece em silêncio, refletindo. Depois acrescenta:
– Por que falar das pedras’ Só o arco me interessa.
Polo responde:
– Sem pedras o arco não existe.
A todos, uma boa leitura!
Bernardo Tanis
Editor
não disponível
O autor comenta uma entrevista de Yolanda Gampel, assinalando a relevância da escuta psicanalítica de vítimas de situações traumáticas extremas, destacando vários estudos e intervenções psicanalíticas que mostram a importância desta abordagem para a busca da simbolização e da mentalização possíveis.
A autora discute algumas questões suscitadas pela entrevista de Yolanda Gampel. Vê na possibilidade do testemunho, no compartilhamento de uma experiência traumática com o outro – na psicanálise ou em outros campos–, uma possibilidade de reconstrução psíquica dos que estiveram submetidos a situações-limite de violência. Fala ainda das fronteiras entre realidade interna e externa, assim como do peso dos fatores individuais e culturais na constituição de experiências traumáticas.
A autora propõe que a leitura do complexo de Édipo seja feita à luz das questões contemporâneas que influenciam a construção da subjetividade. Toma para isso dois pontos de partida: (1) as mudanças na posição feminina nas sociedades atuais, principalmente ocidentais; e (2) a maior visibilidade e aceitação das diferentes apresentações sexuais e de gênero que se afastam dos padrões tradicionais. Considera que estejam em jogo, entre outras, as seguintes questões: (a) as concepções sobre a diferença sexual; (b) o conceito de masculinidade e feminidade; (c) a prioridade fálica; (d) a inveja do pênis na menina; (e) a noção de desejo; (f) as funções paterna e materna. Analisa a importância de mergulhar em suas genealogias para pensar na posição feminina e nas novas configurações relacionais. Aborda o conceito de homossexualidade e sua equiparação com a perversão. Propõe analisar os pontos cegos e aporias do complexo de Édipo quando considerado como explicação última da construção da subjetividade sexuada, a partir da historicização desta narrativa. Ressalta a significação da noção de “castração” como incompletude. Aborda a necessidade de pensar num complexo de Édipo ampliado, o complexo de Édipo completo. Do mesmo modo, inclui a proposta de Deleuze de um Édipo transfamiliar, vacuolar, que supere o modelo da família nuclear. A proposta é considerarde modo triádico as variáveis que estão em jogo na construção de subjetividade, para mais além dos clássicos binarismos.
A questão da diferença entre os sexos fundamenta-se, em muitas teorias psicanalíticas, sobre uma suposta evidência anatômica. Neste artigo, trata-se de saber se o corpo testemunha tão diretamente uma atribuição de sexo, masculino ou feminino, interrogando algumas concepções analíticas da sexuação e da sexualidade. De que articulação da visibilidade dos corpos procede a diferença dos sexos, que inscrição da ordem simbólica ela permite, e como ela é designada e estabelecida pela teoria’ Trata-se de interrogar o trajeto do corporal ao sexuado e do sexuado ao sexual, para examinar se a anatomia é verdadeiramente um destino. Após apontar o enquadre político, social e histórico no qual se inscreve esta questão da diferença dos sexos, pretendemos considerar as múltiplas camadas da sua abordagem pela teoria freudiana, e a proximidade, nesta categoria, entre a psicanálise e os estudos de gênero.
No Brasil, foi após 1997, com a publicação da padronização do Conselho Federal de Medicina, que o acompanhamento e o tratamento da população transexual se tornaram mais intensivos. O Ambulatório de Transtorno de Identidade de Gênero e Orientação Sexual_– Amtigos, do Nufor-IPq-HCFMUSP foi criado em 2010; nele, pacientes com disforia de gênero são tratados seguindo as orientações da World Professional Association for Transgender Health (WPATH), adaptadas à realidade sociocultural brasileira. O Amtigos promove triagens multidisciplinares, atendimento médico psiquiátrico e psicoterapia para pacientes adultos e, mais recentemente, para adolescentes e crianças trazidos por familiares que buscam orientação e tratamento. Nossa proposta consiste em uma abordagem transdisciplinar com base em nossa experiência, para que seja provida adequada assistência psicológica, psiquiátrica e acompanhamento psicoterápico a esses pacientes. Não se trata de tutoria, mas sim de um desenvolvimento conjunto de responsabilidades por todo o processo.
O presente artigo pretende explicitar a concepção de sexualidade infantil de D. W. Winnicott, desfazendo os inúmeros mal-entendidos que cercam tal noção, tentando dar consistência à ideia de que a sexualidade infantil não se forma de imediato, logo nas primeiras mamadas, como propõe Freud, mas exige um tempo de amadurecimento do bebê e de integração do seu self para que possa ganhar existência efetiva.
Na prática da psicanálise de crianças e adolescentes, o momento da chegada dos pais ao consultório do psicanalista é revelador de emoções muito intensas. Uma das funções mais significativas do papel do psicanalista de crianças é certificar-se da importância de apresentar aos pais as características das condições do desenvolvimento emocional do filho, situação que muitas vezes é desconhecida por eles. Este texto aborda alguns aspectos do encontro analista-Lucas-pais, destacando o papel da função analítica na compreensão dos movimentos emocionais presentes. Os estados emocionais emergentes na avaliação psicanalítica foram considerados a partir da perspectiva da constituição do psiquismo e estados mentais primitivos.
Este artigo propõe uma reflexão sobre as chamadas neossexualidades e procura: (1) identificar o porquê de sua manifestação mais expressiva na atualidade a partir de um contexto psico-histórico-cultural; (2) discutir as repercussões destas transformações na construção das subjetividades e o consequente impacto nos vínculos familiares; e (3) abordar como o questionamento do conhecido modelo binário da sexualidade exige, do psicanalista comprometido com uma verdadeira função analítica aberta à investigação, um deslocamento teórico, arriscando questionar teorias psicanalíticas consolidadas.
Esse artigo propõe que a noção de transexualidade seja discutida a partir de vários aspectos que ela implica. O objetivo é problematizar a escuta clínica que poderia se deixar influenciar apenas pelo viés patológico, sem levar em conta o panorama atual em que a transexualidade se insere. Propomos que a transexualidade seja entendida como um conceito guarda-chuva, que abriga diferentes formas de manifestar o gênero e com variado grau de intervenção ou modificação corporal. Abordamos a rigidez dos critérios diagnósticos, a concepção de gênero, a precocidade no tratamento da transexualidade, a influência da mídia e teorizações sobre a origem da transexualidade. Destacamos o sofrimento psíquico imposto pelo campo da saúde ao estabelecer padrões de coerência entre sexo e gênero como sendo da ordem do impossível. Escutar cada pessoa transexual em sua singularidade, sem descartar a cirurgia de redesignação sexual como possível solução, nos parece ser a postura mais adequada ao trabalho psicanalítico.
É comumente bem aceita a ideia de que o significante falo na teoria lacaniana não tem nenhum resquício anatômico. Assim, se em Freud o complexo de Édipo estava ligado à percepção da ausência e da presença do pênis (ter ou não ter o pênis), Lacan teria literalmente excluído do campo psicanalítico esta dependência anatômica ao pensar a função do falo como independente de qualquer referência empírica (a questão passa a ser a posição do sujeito na dialética entre ser e ter o falo). Entretanto, alguns pensadores, em especial Butler, colocam em questão esta independência do falo da anatomia na teoria psicanalítica lacaniana. Este texto pretende avaliar a crítica da feminista no interior do próprio pensamento de Lacan.
Este ensaio tem como objetivo confrontar as ideias de Hannah Arendt e Jacques Derrida sobre o perdão. Os dois autores trataram do tema baseados nas discussões oriundas dos crimes contra a humanidade, analisando as possibilidades de punição e de perdão em relação a essas condutas. Partindo inicialmente de ideias diversas acerca dessas possibilidades, verificam-se, no entanto, algumas recorrências nos pensamentos, que nos conduzem às vezes a proposições equivalentes ou, em outros casos, a um diálogo fecundo para pensar os limites do perdão.
O artigo investiga possíveis aproximações e eventuais afastamentos entre a filosofia de Arthur Schopenhauer e a psicanálise de Sigmund Freud.
Em 1933, a poetisa americana Hilda Doolittle iniciou uma curta análise com Freud, retomada em 1934 e relatada por ela em duas narrativas e inúmeras cartas. Este trabalho tem como tema esse processo de análise e suas repercussões, focando em questões de escrita, gênero e sexualidade.
Após algumas observações referentes à terminologia sexo, gênero, identidade), será feita uma breve retomada da construção da identidade de gênero até a adolescência. A passagem de certa androginia da infância à plenitude da identidade sexuada se faz, às vezes, com algumas dificuldades banais; é também o momento em que o acesso possível a uma sexualidade completa e fecunda confirma ou desenvolve a orientação sexual. Sem qualquer distúrbio do desenvolvimento do sexo, alguns
adolescentes (transexuais) recusam seu sexo de atribuição, que é seu sexo biológico, e solicitam uma transformação hormônio-cirúrgica. Alguns adolescentes apresentam um problema de identidade de
gênero, relacionado a seu distúrbio do desenvolvimento do sexo. No seio de nossa cultura, desenvolveu-se um movimento “transgênero” que põe em questão o gênero e chega a recusar qualquer distinção de sexo, colocando assim problemas que não são mais médicos, mas sociais.
Palavras-chave: identidade; gênero; sexo; transexualismo; transgênero; intersexo.
não disponível