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A morte e o luto estão sendo transformados pela possibilidade de os mortos influenciarem postumamente a vida dos vivos de maneiras que seriam impossíveis nas gerações pré-digitais. O impacto psicológico e sociológico do “luto tecnológico” e da presença digital de pessoas falecidas online apenas começa a ser compreendido e ainda aguarda um exame psicanalítico aprofundado. A autora, portanto, busca explorar um tipo específico de luto tecnológico, o griefbot ou robô
de luto, analisado criticamente aqui a partir de uma leitura psicanalítica de um episódio da série Black mirror. Propõe que um modelo psicanalítico do luto nos oferece uma perspectiva inestimável para refletir sobre o potencial dessa tecnologia
e os riscos psicológicos e éticos que ela acarreta. Argumenta que a imortalização dos mortos por meio da sua permanência digital interfere no enfrentamento da dolorosa realidade da perda e no reconhecimento da alteridade, fundamentais
para o crescimento psíquico e para a integridade de nossos relacionamentos com o outro. Com base no conceito de “luto originário”, de Jacques Derrida, sugere que o luto é um processo interminável, que nos desafia a preservar dentro do self a
alteridade do objeto perdido. Assim, as ferramentas que utilizamos no luto devem ser avaliadas sobretudo sob a perspectiva desse processo psicológico e fundamentalmente ético.
Palavras-chave: ética, tecnologia, luto, melancolia, griefbot
O autor retoma as ideias de Umberto Eco, analisando as posturas sobre a cultura de massa: os apocalípticos a rejeitam, enquanto os integrados a aceitam positivamente. Discute como as tecnologias e a ciência reduziram problemas como
a guerra e a fome, agora focalizando a imortalidade e a felicidade, produzindo desigualdades entre “super-humanos” e “sub-humanos”. As tecnologias emergentes, como a inteligência artificial e a biotecnologia, podem transformar o emprego, a medicina e a sociedade, causando dilemas éticos, sociais e existenciais. Retomando conceituações de Alan Turing e Ángel Rivière, o autor analisa e interroga a possibilidade de que os algoritmos, embora pareçam ouvir e assumir intenções, ainda não conseguem substituir a empatia ou interpretar o inconsciente na regressão e na transferência, e questiona-se, com base nas perspectivas atuais, se isso poderá ser alcançável num futuro próximo. Os avanços na inteligência artificial, por sua vez, abrem questões éticas importantes para as nossas sociedades e, particularmente,
para os psicanalistas, que têm uma responsabilidade significativa a esse respeito na sua prática clínica.
Palavras-chave: inteligência artificial, ética em psicanálise, obsolescência dos terapeutas, tecnologias na clínica
O autor propõe a investigação psicanalítica – clínica e cultural – das relações entre a psicanálise e o digital. Discute algumas dificuldades de aproximação ao tema, como a oposição excessiva da realidade interna à externa, e a natureza fugidia dos fenômenos contemporâneos, conforme articulado por Agamben. Em seguida, esboça uma cartografia inicial desse campo de pesquisa, e busca apresentar um pequeno mosaico de exemplos variados que alcancem o horizonte metapsicológico.
Palavras-chave: psicanálise, digital, virtual, internet, realidade
Neste artigo, a autora reúne conjecturas sobre características deste inquietante mundo novo que podem estar comprometendo a capacidade de sonhar, no sentido que Bion dá a esse termo. A sociedade contemporânea apresenta peculiaridades marcadas pela acumulação de dados em detrimento de seu processamento, resultando na preponderância de ação sobre reflexão e de materialidade sobre imaterialidade. Inspirada em Byung-Chul Han, a autora destaca a avalanche de informações, a hiperestimulação do sensório e a prevalência de exterioridade sobre interioridade. Além disso, discute o deslocamento de funções mentais humanas para as máquinas. Apresenta um relato clínico em que a paciente é inundada por materialidade e expressa uma sensação de esvaziamento. Observa que a nascente do sonhar é “capturada” por um pseudossonhar: a paciente manifesta uma adição a vídeos e frases disponíveis em redes sociais, que abordam temas “filosóficos” a respeito da vida. Esses materiais servem como fonte para a reflexão, mas são substitutos de sonhos, assemelhando-se a produtos adquiridos em lojas de marcas famosas.
Palavras-chave: capacidade de sonhar, contemporaneidade, processamento de estímulos, tecnologia, riscos às funções mentais
Muito já se disse sobre análise virtual, tema que, antes da pandemia, era abordado com reticência e preconceito. Com este texto, a autora pretende contribuir para ampliar a discussão acerca de psicanálise e virtualidade, mediante relatos de sua experiência na condição de analisanda e de analista. Escrito sob a forma de carta dirigida à analista, exprime emoções pessoais, matéria-prima a partir da qual se considera o modelo psicanalítico, que compreende a vivência de uma experiência emocional e o aprendizado por meio dela. A autora discute o quanto a comunicação inconsciente continua acontecendo de forma virtual: a ligação entre as mentes independe da presença ou da proximidade física? Tomando por base as experiências relatadas, em que medida o encontro psicanalítico virtual consegue abranger estados de mente primitivos? Será possível construir um “lugar virtual”, tridimensional, vincular, capaz de oferecer continência a aspectos do self tão encarnados, quase orgânicos, do ser humano?
Palavras-chave: análise virtual, experiência emocional, campo analítico, continente-contido, cesura
A inteligência artificial (ia) generativa, com sua capacidade de executar tarefas léxicas antes restritas ao comportamento humano, reatualiza o debate sobre a capacidade de computadores replicarem o pensamento, propondo questões
para a psicanálise, tanto teóricas quanto clínicas. Os autores examinam possibilidades e limitações de uma prática analítica mediada por algoritmos, considerando a questão: a ia pode substituir o psicanalista? Argumentam, criticamente à teoria computacional para o problema da mente, que a psicanálise seria inviável por meio de mecanismos de ia, desde que sua prática esteja fundamentada nos aspectos semântico, intencional e normativo das representações mentais, em contraste com
abordagens que priorizam analisar o caráter sintático da associação livre e dos processos inconscientes.
Palavras-chave: Sigmund Freud, tecnologias digitais, computacionalismo, emergentismo, Terrence Deacon
A autora aborda aspectos das novas possibilidades de atendimento em psicanálise que utilizam os meios tecnológicos, como as plataformas online. Apresenta trechos clínicos de atendimentos realizados dessa forma e aponta algumas dificuldades para o empreendimento analítico se consolidar. Evidencia expressões da realidade psíquica e da interação analista-analisando, apreendidas e desenvolvidas nessa modalidade. Tece considerações sobre as modificações necessárias, tanto na técnica como no setting analítico, conjeturando quais são indesejáveis e quais se valem do meio de contato para favorecer a expansão do trabalho. Destaca, no material clínico apresentado, aquelas que acontecem sem renúncia ao método e ao pensamento psicanalítico.
Palavras-chave: atendimento online, técnica psicanalítica, setting psicanalítico, método psicanalítico
O autor, partindo de duas epígrafes, uma de Bion e outra de T. S. Eliot, procura superar uma discussão, impregnada de moralidade, sobre as assim chamadas análises presenciais e análises online. Para tal fim, utiliza os conceitos éticos de modelo espectral, cesura e simetria heterogênea, mais afins ao pensamento complexo, na tentativa de apresentar uma ideia de presenças que não se restrinja à sensorialidade habitual no uso do termo. Propõe diferenças de presença,
denominando-as análise presencial online (em-linha) e análise presencial offline (fora-de-linha). Discute questões vinculadas ao setting em ambas as modalidades e questiona a ideia do perigo das tecnologias em si mesmas, tratando de incluí-las numa discussão mais ampla sobre a quem interessa seus usos benéficos ou maléficos, tentando não cair em negações ou idealizações sobre os tempos que já chegaram e aos que ainda virão.
Palavras-chave: análises presenciais, ética, modelo espectral, simetria heterogênea, cesura
A psicanálise, desde a de bebês até a de adultos, se apoia nos mesmos conceitos fundamentais que constituem o método psicanalítico, com peculiaridades e especificidades técnicas próprias de cada faixa etária: desde o bebê/criança/
latente/adolescente até o adulto. São momentos de passagem e de transitoriedade dialética da corporeidade para a constituição da subjetividade, a caminho da vida mental adulta, com repercussões nas áreas de sexualidade e gênero.
Palavras-chave: estados primitivos da mente, subjetividade, sexualidade, gênero, diferenças
O autor aborda a questão das fantasias de poder que desde a infância são utilizadas para apaziguar o desamparo. Faz um paralelo com o potencial de dependência e abstinência do uso abusivo de álcool; com o “poder” como potencial
causador de dependência sine materia; por meio de exemplos do cotidiano, com os comportamentos dos dois tipos de dependência. Problematiza o quanto esse tipo de dependência também pode atingir os tratamentos psicanalíticos, nossas
instituições e os processos de formação de novos psicanalistas.
Palavras-chave: poder, dependência, abstinência, formação analítica, tratamento psicanalítico
O autor se debruça sobre o texto que deu origem ao tema do 30º Congresso Brasileiro de Psicanálise, “Algumas consequências psíquicas da diferença anatômica entre os sexos”, de 1925, abordando o período no qual esse trabalho foi escrito, detendo-se sobre alguns de seus eixos principais, e propondo uma leitura dele e de outros textos freudianos nos quais vozes distintas podem ser discernidas, uma que poderíamos chamar de essencialista, e outra, de construcionista. Ambas se fazem presentes não apenas na obra de Freud, mas na relação da psicanálise com as questões relacionadas à sexualidade de forma ampla.
Palavras-chave: psicanálise, sexualidade, gênero, história, Febrapsi
Partindo da valorização da preparação de um congresso de psicanálise como estímulo para aprofundamento no estudo de temas psicanalíticos relevantes, a autora se refere ao título do trabalho ressaltando a diversidade sexual no pensamento
freudiano – psicossexualidades, no plural, para além da sexualidade genital, incluindo outras zonas erógenas (toda a superfície do corpo e todos os órgãos internos) e a presença das experiências infantis no adulto. O paradigma clínico da auto-observação e autorrevelação proposto por Freud no relato do sonho com sua paciente Irma demonstra o contato do analista com sua própria vida onírica como recurso técnico imprescindível. A singularidade é considerada indissociável da dimensão sociocultural, e para sua apreensão a análise pessoal do analista ocupa uma posição metodológica central. O texto freudiano homenageado no próximo congresso da Febrapsi, “Algumas consequências psíquicas da distinção anatômica entre os sexos” (1925), é apresentado sinteticamente, na sequência de sínteses de textos anteriores e posteriores correlacionados, até “Feminilidade” (1933), com citações literais que evidenciam a apreensão da não binaridade.
Palavras-chave: psicossexualidade, sonho, análise do analista, não binário,
transexualidade