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Volume 44 nº 1 - 2010 | Atualidade da clínica

Sumário (Clique nos títulos para acessar editorial ou resumos disponíveis)

Este é o primeiro número realizado pela nova equipe editorial da Revista Brasileira de Psicanálise. Ao iniciarmos uma nova gestão editorial manifestamos nosso principal objetivo: tornar público o pensamento psicanalítico brasileiro, estimular a reflexão e o debate, criando assim as condições para um fecundo intercâmbio com a psicanálise internacional.
Gostaríamos de agradecer ao dr. Plínio Montagna, Presidente da SBPSP, e que já exercera com extrema dedicação o cargo de Editor desta revista, pela oportunidade e confiança
depositada quando, no exercício da sua função, convidou-nos para ocupar o cargo de Editor desta publicação. Convite que aceitamos com entusiasmo e responsabilidade. O desafio desta empreitada já está sendo ricamente compartilhado com Alice Paes de Barros Arruda, editora associada, em conjunto com uma motivada, diversificada, além de experiente equipe editorial.
Agradecemos também a Lepold N osek, editor anterior, pelo criativo trabalho desenvolvido à frente da revista, pelas mudanças implementadas na sua gestão e pela generosidade que manifestou ao longo de algumas reuniões que mantivemos antes e depois de assumir a editoria. Este agradecimento é extensivo a Maria Aparecida Quesado Nicoletti, editora associada, e a toda equipe anterior que mostrou uma especial dedicação pela tarefa editorial e, desde o início, colocou-se à nossa disposição para colaborar e tornar possível esta passagem para que não houvesse rupturas no processo de produção da revista. Agradecemos também o apoio recebido por parte da Assembleia de Delegados e diretoria da FEBRAPSI.
Comemoramos neste ano de 2010 os cem anos de existência da IPA. Efemérides são ocasiões propícias para um olhar sobre trajetórias. Como o futuro – largamente desconhecido – é também um aprofundamento do passado, abrimos este novo trajeto editorial, convidando três colegas para compartilhar com os leitores suas reflexões em torno do presente e do futuro da clínica, a partir do diálogo com o artigo de Freud de 1910, “As perspectivas futuras da terapia psicanalítica”.
Apresentamos, deste modo, com os textos de Claudio Rossi, Cíntia Xavier de Albuquerque e Anna-Maria de Lemos Bittencourt, o que será nossa proposta para os próximos
números: uma reflexão e debate em torno de questões relativas à atualidade da clínica psicanalítica. Buscamos abrir espaço, a partir de diferentes perspectivas temáticas e diversidade de modelos teórico-clínicos, para os desafios encontrados no exercício clínico na atualidade, para nossas ousadias e perplexidades, nossos sucessos e fracassos, mas, acima de tudo, buscamos destacar o empenho dos colegas no desenvolvimento criativo e consistente da psicanálise.
O leitor encontrará neste número o instigante texto de Leonardo Francischelli, atual Presidente da Federação Brasileira de Psicanálise, sobre algumas passagens da história
da IPA e os caminhos na busca de uma maior abertura institucional. Encontrará também trabalhos clínicos e teóricos que mobilizam o psicanalista em várias frentes, assinalando a riqueza e complexidade do exercício da nossa clínica e da reflexão sobre a mesma.
Tomando como mote inicial o que veio a se chamar “patologias atuais”, Zelig Libermann nos convoca a uma reflexão sobre a ampliação das possibilidades de atuação do
psicanalista e as transformações do lugar do analista na sessão.
Este caminho ganha continuidade e novas perspectivas em dois trabalhos que nos falam sobre o corpo. N elson Coelho Junior destaca o lugar do corpo na sessão analítica propondo a ideia de uma “experiência de co-corporeidade”, Rodrigo Sanches Peres e Manoel Antônio dos Santos abrem novos horizontes para a psicossomática de inspiração
psicanalítica a partir da ideia de “psicose atual”, contribuição conceitual de Joyce McDougall. Seguem-se trabalhos de natureza clínica: Julio Hirschhorn Gheller nos faz pensar em como a reflexão do analista em torno do exercício clínico pode ser mobilizada a partir de uma experiência de après-coup, e Maria Celina Anhaia Mello convida-nos a mergulhar na intimidade da sua clínica, nas sutilezas das figurações oníricas adultas e nos caminhos polissêmicos do desenho infantil.
Isto nos aproxima do trabalho do sonho e de nossa opção por publicar, como intercâmbio, o texto do André Green, “Do ‘Projeto’ à ‘Interpretação dos sonhos’: ruptura e
fechamento”. Este artigo é um convite à retomada deste lugar entre o espaço do corpo e o espaço do sonho que, como diz o autor: “Entre os dois, o inconsciente, lugar da simbolização primária”. O artigo é também apresentado como subsídio ao estudo que muitos colegas vêm desenvolvendo sobre sonhos, interface com as neurociências, e como estímulo para o próximo Congresso da IPA no México, cuja proposta é a reflexão em torno de conceitos nucleares de nosso campo: sexualidade, sonhos e inconsciente.
Por último, uma chamada para o texto de Mauricio Rodrigues de Souza, que aborda no diálogo do psicanalista e do filósofo o “sítio do estrangeiro”. Alude a esse lugar paradoxal
do outro que interroga constantemente nosso narcisismo e nossas ilusões. O outro é aquele ou aquilo que não está incluído na representação que faço de mim mesmo e alude também à dimensão inconsciente de toda subjetividade. O filósofo Levinas assinala que: “A relação com outro não é uma relação idílica e de harmoniosa comunhão, nem uma empatia na qual possamos nos colocar no seu lugar: o reconhecemos como semelhante a nós e ao mesmo tempo exterior; a relação com o outro é um mistério”. Mistério que, para nós analistas, se atualiza na transferência e se faz presente na ideia de vínculo, tema que será objeto de debates e trocas no próximo Congresso da FEPAL, em setembro 2010, em Bogotá: Transferência, vínculo e alteridade.
Para concluir esta já longa apresentação, assinalamos que o trabalho editorial envolve uma dimensão visível, o produto final, mas também uma dimensão invisível sem a
qual o resultado não seria possível. Em futuros editoriais compartilharemos com os leitores parte dos nossos bastidores. Destacamos, neste, nosso firme propósito de trabalhar em parceria com os Editores Regionais, representantes das Sociedades federadas na elaboração de pautas, no estímulo aos membros das diferentes Sociedades componentes da FEBRAPSI para publicar seus trabalhos, na indicação de autores e pareceristas e também na importante tarefa de divulgação desta revista.
Além de artigos que contemplem os números temáticos, a RPB mantém-se aberta a todos os colegas que desejem enviar trabalhos sobre temas que estejam pesquisando no
momento, já que uma visão da diversidade do pensamento psicanalítico brasileiro é nosso principal objetivo.
Fiel a uma política de abertura científica a Revista Brasileira de Psicanálise permanece acessível a autores que não fazem parte da FEBRAPSI, garantindo assim um espaço democrático e de livre acesso à divulgação da produção psicanalítica escrita de qualidade.
Desejamos a todos uma boa leitura e esperamos que os trabalhos aqui publicados promovam fecundas reflexões que se atualizem em novos textos.
Bernardo Tanis
Editor

Debate

Há cem anos Freud tinha ideias claras a respeito do objeto e objetivos da Psicanálise. De acordo com o espírito da época, acreditava que a Medicina e a Psicanálise atingiriam um alto nível de precisão e eficiência. Hoje se sabe que as coisas são muito mais complicadas e assim ficaram pela expansão dos conhecimentos psicanalíticos, assim como, pela ampliação de sua proposta de trabalho.
Palavras-chave: Psicanálise; técnica; objeto; objetivos; cura; eficiência; precisão.

A partir da conferência de Freud sobre suas perspectivas quanto ao futuro da terapia psicanalítica, a autora faz alguns comentários e reflexões sobre a prática clínica nos dias de hoje.
Palavras-chave: desenvolvimentos teóricos e técnicos; credibilidade da psicanálise; eficácia terapêutica; experiência emocional e processos de pensamento.

A autora examina algumas transformações e revisões ocorridas na teoria e na técnica psicanalítica, na obra de Freud e na de seus sucessores, desde 1910. Considera decisivas as mudanças da última teoria freudiana, assim como as contribuições de Ferenczi e Winnicott e examina seus desdobramentos na clínica contemporânea. Verifica possíveis mudanças dos princípios e fins do método analítico. O histórico de transformações mostra a fecundidade do pensamento psicanalítico, levando a autora a considerar que as perspectivas futuras da terapia analítica serão alvissareiras, desde que um vigor mutante seja mantido, o que exige dos analistas e de suas instituições, a análise permanente de mecanismos que possam levar a estéreis repetições.
Palavras-chave: psicanálise “clássica”; manejo; integração do eu; transformações teóricas e técnicas.

Artigos

O texto trabalha a fundação da IPA em seus detalhes históricos e as vicissitudes que presidiram seu nascimento. Todos os personagens fundamentais que construíram essa Associação circulam – com suas aproximações e rivalidades – na construção dessa Associação, assim como o porquê da sua imprescindibilidade. A constituição do chamado “Comitê Secreto”, por um lado, e a presença do “Estrangeiro” por outro, possibilitam constituir um par dialético em que o endogâmico rivaliza com exogâmico. O “estrangeiro” é o lugar de Jung, o exogâmico, enquanto o “Comitê Secreto” é o endogâmico. Em outros termos, um está constituído para vigiar o outro. Finalmente, a ética da fidelidade é
substituída pela ética da liberdade.
Palavras-chave: IPA; fundação; ética; fidelidade; liberdade.

Iniciando por uma sistematização em três áreas (sintomática, metapsicológica e sociológica) do conceito de patologias atuais, o texto questiona: as denominadas patologias atuais seriam prerrogativas da contemporaneidade? Mostrando que esses mesmos quadros nosológicos estiveram presentes em outras épocas da história da humanidade, o autor propõe que a atualidade pode ser atribuída à psicanálise que, ao longo de sua existência, passou por acréscimos teóricos e técnicos que permitiram o acesso às áreas de não representação da mente humana. Procura mostrar ainda que, embora se esteja habituado a pensar esses desenvolvimentos da psicanálise ligados predominantemente a autores pósfreudianos tais como Melanie Klein, Bion e Winnicott, para citar os mais conhecidos, considera que podemos encontrar também na obra de Freud delineamentos dessas zonas psíquicas “aquém” da representação. Assim, neste trabalho, antes de abordar algumas transformações da psicanálise que a colocam em uma sintonia maior com a atualidade, o autor procurará evidenciar alguns pressupostos teóricos e técnicos da obra freudiana, que, em sua opinião, contribuíram para o estágio atual da psicanálise.
Palavras-chave: patologias atuais; compulsão à repetição; teoria estrutural de Freud; identificações primárias; desmentida; cisão do ego.

Este artigo procura estabelecer os elementos básicos de uma clínica psicanalítica fundada na experiência de uma co-corporeidade. A noção de corporeidade é definida como um tecido material e energético, móvel e instável, movido por forças pulsionais, em sua remissão aos objetos e marcado por interferências de intensidades internas e externas, constituindo um campo de forças e protossentidos. Propõe-se que não há como expulsar a dimensão pulsional da corporeidade, tampouco o Eu e o inconsciente. Mas também não há como negar a dimensão relacional, propriamente intersubjetiva da situação analítica. Com isso, sublinha-se a necessária tensão permanente entre as dimensões intrapsíquicas e as dimensões intersubjetivas na clínica e na teorização psicanalíticas. Sublinha-se, também, a preferência pela noção de co-corporeidade com relação à de intercorporeidade, já que se entende que a ênfase não deve se situar no “entre” corporeidades, mas sim na ideia da copresença de duas corporeidades que já trazem em si o Eu e o outro.
Palavras-chave: Corporeidade; intersubjetividade; campo analítico; metapsicologia.

Uma notícia inesperada provoca um golpe que remete o analista a um trabalho de elaboração relativo a uma análise encerrada há vários anos. N este percurso o autor explora e aproxima os conceitos de après-coup e construções, bem como aborda a necessidade da oferta de holding e continência diante dos fenômenos de repetição.
Palavras-chave: après-coup; construções; continência; holding; repetição.

O presente trabalho representa uma tentativa de diálogo entre psicanálise e filosofia através das ideias de Pierre Fédida e Martin Heidegger. N este sentido, ao abordar respectivamente as noções de “sítio do estrangeiro” e de “serenidade”, enfatiza dois pontos específicos que sugerem interessantes aproximações entre si. Em primeiro lugar, há o apelo por uma espera que também pode ser lido como a desconfiança diante da ênfase contemporânea nas potencialidades da técnica. De maneira complementar, há ainda o resgate proposto por ambos os autores de toda uma dimensão de mistério que se faria presente enquanto sombra constitutiva tanto do fenômeno transferencial quanto da razão esclarecida. Com efeito, tal aproximação pode ser tomada como um convite ou demanda para que analistas e filósofos resistam à tentação (e mesmo à pressão) dos resultados imediatos, mantendo a interpretação à certa distância estrangeira que favoreça a própria atividade elaborativa.
Palavras-chave: psicanálise; filosofia; alteridade; serenidade; sítio do estrangeiro.

Por meio da análise do material clínico de uma criança de quatro anos e de uma jovem de vinte e quatro, procuro desenvolver ideias a respeito das representações da noite e seus desdobramentos: insônia, pesadelos, terrores noturnos, angústias de morte. Analisando por um lado, a produção gráfica da criança e por outro, os sonhos da jovem, procuro estabelecer uma equivalência entre as diferentes formas de expressão que ambas encontram. Questões referentes ao tempo e atemporalidade do mundo psíquico são abordadas. Evidenciam-se situações de rivalidade fraterna, ataques ao corpo materno e configurações edípicas, vistos ora pelo prisma da menina, ora da moça, como se ambas teatralizassem
a mesma personagem em momentos diferentes da existência.
Palavras-chave: tempo; representação; sonhos; terror noturno; processo primário; processo secundário.

O presente estudo tem como objetivo contemplar algumas possíveis intersecções entre psicanálise, psicossomática e psicopatologia a partir do delineamento de um dos mais intrigantes conceitos propostos por McDougall: “psicose atual”. Embora constituída com base em um núcleo psicótico, a psicose atual remete a uma problemática pré-neurótica, uma vez que não resulta na produção de alucinações ou delírios, mas leva o corpo a se comportar de forma delirante, o que predispõe o sujeito a doenças orgânicas. Tais doenças seriam, em última instância, resultantes da ação de mecanismos somáticos, e não mentais, disparados por conflitos de ordem emocional. Ou seja: ao contrário da sintomatologia
histérica decorrente da conversão, seriam desprovidas de significado simbólico. Com o conceito de “psicose atual”, portanto, a autora delineia, de forma ousada, um novo horizonte para a teorização psicanalítica, permitindo o reposicionamento da clínica com pacientes somáticos.
Palavras-chave: psicanálise; corpo; psicossomática; neurose atual; psicologia clínica.

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