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Volume 49 nº 1 - 2015 | O homem do futuro, hoje

Sumário (Clique nos títulos para acessar editorial ou resumos disponíveis)

Editorial

Caros leitores,

A partir deste número, iniciamos uma nova gestão editorial. Sabemos que é grande a responsabilidade do exercício dessa função e agradecemos a confiança em nós depositada por Nilde Jacob Parada Franch, presidente da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, e pela Febrapsi, na figura de seu presidente Aloysio Augusto D’Abreu. Não poderia deixar de mencionar meu antecessor, Bernardo Tanis. A ele agradeço tanto pelo convívio enriquecedor como pela sugestão de meu nome. E pela generosidade com a qual conduziu, juntamente com Alice Paes de Barros Arruda, ex-editora associada, a passagem da editoria.

Fiéis à tradição de parceria da RBP com a IPA, publicamos aqui os keynote papers de seu 49º Congresso, sediado em Boston, cujo tema é Mundo em mudança: a forma e o uso de ferramentas psicanalíticas hoje. Agradecemos à IPA e a seus representantes, bem como aos autores, pela autorização de publicação.

Em sintonia com os questionamentos propostos pelo congresso, nosso primeiro número chama-se O homem do futuro, hoje. Quem é esse homem, que nos parecia anunciado para o futuro, mas que já se apresenta – em parte iniciante, em parte plenamente constituído – em nossos consultórios? O que ele exige de nós, psicanalistas?

O cientista (por vezes chamado de futurólogo) venezuelano José Luis Cordeiro afirma que as mudanças tecnológicas se aceleram em velocidade exponencial, levando a que nos próximos vinte anos tenhamos avanços tão radicais que não se comparariam aos vividos nos últimos dois mil anos. Entre outros, anuncia o nascimento de uma pós-humanidade, que levará o homem a uma quase imortalidade. São inovações que mudarão definitivamente a maneira como pensamos e sentimos, e, em última instância, aquilo que se entende por humanidade.

De fato, desde a descoberta do fogo e a invenção da roda o homem cria novas possibilidades de ser – humano. Mas é a partir da Revolução Industrial, denominada por muitos historiadores de Revolução Tecnológica, que a inserção de máquinas no processo produtivo o organiza em escala e velocidade cada vez maiores. Substituindo o trabalho físico humano direto, o maquinário passa a ser o elemento central no processo econômico, trazendo modificações profundas nas relações sociais. Do século XIX aos nossos dias, a tecnologia passa a fazer uso significativo da ciência, até que elas se tornam praticamente indissociáveis como índice de progresso.

Os avanços tecnológicos estão em todos os lugares, inclusive em nossos consultórios. As novas tecnologias de informação oferecem facilidades para a comunicação independentemente das distâncias geográficas. Assim, telefones celulares, mensagens de texto, WhatsApp fazem parte de nosso cotidiano e nos ligam a nossos pacientes; a secretária eletrônica do telefone fixo é coisa do passado. Muitas vezes, os celulares são uma presença durante a sessão. Alguns de nós fazem uso de Skype para atendimentos.

O que pensar dessas mudanças? Concordar com Elisabeth Roudinesco (2010), para quem a psicanálise, a partir do momento em que uma realidade toma corpo, deveria pensá-la, interpretá-la e levá-la em conta, e não condená-la por antecipação? Deveria, portanto, o psicanalista lançar mão da tecnologia como uma ferramenta psicanalítica? Ou deveríamos nos manter como foco de resistência, garantindo um lugar único para uma experiência que a vida contemporânea não nos permite mais? A utilização das novas tecnologias em análise poderia acentuar as mazelas do homem de hoje, que, como diz Kristeva (2002), está perdendo a sua “alma”, sem espaço nem tempo para constituí-la, nem para perceber que isso ocorre?

São essas inquietações que trouxemos neste número, pelas vozes de Anette Blaya Luz, Mariângela Mendes de Almeida, Alicia Beatriz Dorado de Lisondo e nosso ex-editor Plinio Montagna, assim como Fernando Urribarri e o cientista Rogério Cezar de Cerqueira Leite.

Contamos também, a título de homenagem e agradecimento, com o texto de Bernardo Tanis “A escrita, o relato clínico e suas implicações éticas na cultura informatizada”, um memorial intelectual de seus anos como editor. Trata-se de uma versão do artigo publicado pela revista Psicanálise, da Sociedade Brasileira de Psicanálise de Porto Alegre, a cuja editora, Mara Loeni Horta Barbosa, agradecemos pela autorização da publicação.

Como podem notar, apresentamos uma releitura do projeto gráfico, bastante inovador quando de sua implantação na gestão de Leopold Nosek. Respeitando a elegância do projeto original, bem como a identidade visual que marca a revista, atualizamos o design da capa. Seguindo a mesma ideia, as seções ganharam novos nomes. Na parte interna, optamos por deixar a estrutura mais próxima de uma revista com colunas duplas e espaço para anotações. É nosso convite para que o leitor dialogue com o texto, da mesma maneira que a revista propõe o diálogo entre autores.

Para finalizar, gostaria de reiterar que temos como proposta manter a vocação pluralista da Revista Brasileira de Psicanálise, afirmando o valor da clínica como fio condutor para o desenvolvimento de conceitos e teorias psicanalíticas, enfim, como motor para a produção de conhecimento. Entendemos que a revista é um espaço privilegiado de reflexão das questões da clínica e para a clínica, aquelas com as quais todos nós nos deparamos diariamente em nossos consultórios e que muitas vezes nos exigem pesquisa e elaboração. Funcionando como ponto de encontro de autores e leitores, a revista torna-se um espaço intermediário que pode produzir um terceiro sujeito, criado na leitura. Acreditamos que assim estaremos cumprindo a função primordial desta publicação. Afinal, como diz Ogden (1996), é na criação desse terceiro, fruto da tensão entre leitor e autor no texto, e entre analista e paciente na clínica, que se encontra o cerne tanto da experiência de ler quanto da experiência psicanalítica.

Fica aqui, portanto, o convite à colaboração de todos, pois, para que a revista seja plenamente esse espaço intermediário, precisamos que as reflexões em forma de texto cheguem até nós. Como o Brasil é um país de grandes proporções, com semelhanças e com significativa diversidade cultural, acreditamos que a revista pode oferecer a oportunidade de conhecermos modos diferentes de trabalhar em contextos diferentes, ainda que sejamos todos psicanalistas e brasileiros.
Boa leitura!

Silvana Rea
Editora

 

Referências

Kristeva, J. (2002). As novas doenças da alma (J. A. D’Avila Melo, Trad.). Rio de Janeiro: Rocco.
Ogden, T. (1996). Os sujeitos da psicanálise (C. Berliner, Trad.). São Paulo: Casa do Psicólogo.
Roudinesco, E. (2010). Em defesa da psicanálise: ensaios e entrevistas (A. Telles, Trad.). Rio de Janeiro: Jorge Zahar.

 

 

Keypapers 49º Congresso da ipa

Importantes modificações na cultura ocorreram nos últimos 50 anos no tocante às configurações familiares, às modalidades de criação dos filhos e ao avanço da tecnologia. Essas transformações tiveram um impacto significativo sobre a prática psicanalítica. Parece ser necessário revisar o uso de ferramentas forjadas há mais de 100 anos. O artigo irá enfocar a interpretação enquanto a ferramenta mais relevante para um psicanalista.

Palavras-chave: interpretação; enquadre; transferência; cultura; tecnologia.

No século XXI, o problema da psicanálise é a extensão do nível de competência clínica da escuta psicanalítica e suas implicações na complexidade de nossos modelos. Para avançar nessa questão, apoiar-me-ei na análise de um paciente que já passara por muitas análises. Embora a psicanálise tenha sempre os mesmos fundamentos, baseados na transferência e na escuta das associações, os modelos desses processos têm de se tornar mais complexos e extensos. A ampliação da competência da escuta psicanalítica para os sofrimentos narcísicos, que têm um forte impacto sobre a identidade, exige o refinamento de novas ferramentas, que passam por uma compreensão mais profunda da primeiríssima infância, em particular das formas primárias de simbolização, e pela dilatação do contexto de referência da escuta, baseado não só na vida pulsional, mas também nas respostas de objetos significativos a movimentos pulsionais. Por fim, essas questões conduzem a uma possível ampliação do enquadre analítico vinculada ao tipo específico de associatividade dos analisandos.

Palavras-chave: simbolização primária; simbolização secundária; significantes formais; roteirização; função simbolizante do objeto primário.

Este trabalho acompanha a publicação on-line “Psicanálise na Era da Desorientação: do retorno do oprimido”, analisando o modo pelo qual a “regra fundamental” da psicanálise sofre interessantes mudanças de função no início do século XXI.

Palavras-chave: Era da Desorientação; retorno do oprimido; modalidades egoicas; refração; visiofilia; horizontalismo; pseudoestupidez.

Resumo: Neste trabalho, a autora oferece uma visão geral de alguns desafios que os psicanalistas encontram em tempos de tecnocultura. Sustenta mais especificamente que, em nosso trabalho clínico, podemos observar como os avanços tecnológicos e os valores predominantes da cultura contemporânea tornam possíveis e aceitáveis a alteração e ampliação do corpo e suas funções na realidade e no espaço virtual. Isso pode contribuir para um split entre o corpo e o self, levando a uma versão século XXI muito particular da subjetividade incorporada, que estimula uma negligência em relação ao significado inconsciente do corpo. Os problemas surgem quando, de um ponto de vista psicológico, não estamos mais pensando o virtual como sendo uma ampliação do assim chamado real, e sim como sendo uma alternativa ao real. Contudo, a autora também discute um caso clínico que ilustra como a utilização do ciberespaço pode promover o “desenvolvimento” psíquico e como pode ser usado para evitar a experiência (psíquica). Isso tem implicações técnicas em termos de como abordamos em nossas interpretações o uso que o paciente faz das novas tecnologias para atender às prerrogativas do mundo interno em relação ao contexto externo contemporâneo.

Palavras-chave: corpo; embodiment; ciberespaço; sexualidade; tecnologia.

A partir da análise de um paciente psicótico, o autor busca discutir a construção de um aparelho mental capaz de simbolizar, pensar e se relacionar com os objetos. Questões técnicas que apoiam as ideias desenvolvidas pelo autor são consideradas. Também são abordadas as ideias de Bion sobre a função alfa, bem como sobre reverie e desenvolvimento do pensar. Alguns autores pós-bionianos que também escreveram sobre a capacidade de pensar pensamentos e criar símbolos foram considerados e discutidos pelo autor. A recuperação de experiências passadas através da construção de um aparelho psíquico permitiu ao paciente ter acesso ao pensamento simbólico. O relacionamento transferencial e contratransferencial é discutido para que se possa compreender o desenvolvimento das ideias apresentadas e a evolução do processo analítico.

Palavras-chave: pensamento; aparelho psíquico; transferência; contratransferência; simbolismo.

Como parte de nossa busca permanente a fim de ajudar pacientes a encontrar, ou reencontrar, o cerne do que significa ser humano, investigo neste trabalho mudanças múltiplas de paradigma no método psicanalítico que constituem novos pontos comuns entre, ao que parece, diversas vertentes. Isto conduz a novas ideias sobre como ouvimos e interpretamos, os objetivos do tratamento e a maneira como se dá a mudança.

Palavras-chave: mudanças de paradigma; representação em construção; pré-consciente; pontos comuns; transferência; contratransferência; interpsíquico.

Em pauta

O autor discute a necessidade de utilizar, na prática clínica, a análise a distância em circunstâncias determinadas. Comenta a bibliografia sobre análise por telefone e relata aspectos de sua experiência no uso do Skype, que conta com exíguas publicações a respeito. Vê inúmeros pontos positivos que validam sua aplicação, ainda que a sensorialidade do encontro analítico esteja diminuída. Propõe que deve ser vista como uma modalidade específica: a Skype análise.

Palavras-chave: Skype análise; análise a distância; análise por telefone; análise concentrada; setting; elementos psicanalíticos; divã; jogo; suspensão da descrença; interação não verbal.

A autora questiona o uso das novas tecnologias no tratamento de pacientes de forma habitual. Aceita seu uso em situações agudas e excepcionais. Fundamenta metapsicologicamente as dificuldades para mergulhar nos Estados Mentais Primitivos, que se expressam na linguagem pré-verbal, não verbal, às vezes inacessíveis à palavra simbólica. A associação livre nasce do modelo neurótico de Freud. Na contemporaneidade, o paciente não neurótico exige uma relação inédita, íntima e presencial, na qual as manifestações sensoriais possam ser sonhadas, intuídas, compreendidas e transformadas pelo analista. A autora se opõe ao uso destas tecnologias na análise de futuros analistas. Vinhetas clínicas ilustram o trabalho.

Palavras-chave: psicanálise a distância; Estados Mentais Primitivos; formação analítica; psicanálise contemporânea.

Neste artigo, após tecer considerações iniciais sobre tecnologia e contemporaneidade e traçar um panorama do contato pessoal com o recurso da filmagem iluminando a relação pais-criança, a autora apresenta reflexões clínicas sobre o víde(o)lhar em sua utilização terapêutica, informada pela abordagem psicanalítica no trabalho vincular. Enfatiza a potencialidade do vídeo para aprofundar o olhar sobre a microscopia relacional, expandindo a função psicanalítica em situações de ensino, pesquisa e no contato clínico direto com pais e crianças.

Palavras-chave: psicanálise; tecnologia; função terapêutica dos recursos do vídeo; relações pais-crianças; clínica psicanalítica na contemporaneidade.

A autora apresenta algumas preocupações frente ao impacto que as novas plataformas de comunicação produzem dentro das relações analíticas. Questões como responder e-mails, torpedos ou WhatsApp, ou ainda se o analista deve ter ou não Facebook, são examinadas. Sem oferecer uma posição conclusiva a respeito dessas questões, a autora propõe que os analistas não podem “perder o trem da história”. É preciso que aprendam a usar essas ferramentas, pois recusar-se a isso pode ser menos neutro do que usá-las. Também são abordadas preocupações a respeito da perda do anonimato na web.

Palavras-chave: anonimato; internet; WhatsApp; Facebook; web; rede; psicanálise virtual.

Outras palavras

O autor tece uma reflexão em torno de aspectos éticos nas publicações psicanalíticas no atual contexto. Aborda aspectos vinculados à escrita psicanalítica, como gênero, estilo, narrativa, dimensão ficcional e outros. A natureza singular da pesquisa em psicanálise, método e ética clínica são tratados aqui em sua relação com a transformação no campo das publicações, devido à proliferação dos novos meios de publicação eletrônica e às exigências normativas dos principais indexadores.

Palavras-chave: clínica; escrita psicanalítica; ética; pesquisa; publicação.

Este trabalho visa exercitar uma reflexão sobre o “ser contemporâneo”, tomando por objeto de estudo os estágios animista, religioso e científico enquanto sistema de pensamento, proposto por Freud em seu trabalho Totem e tabu. A partir deles, o autor faz um breve percurso pelo pensamento freudiano, com a expectativa de articular os desdobramentos dessas ideias embrionárias. Parte do pressuposto de que estamos vivendo um tempo marcado por um revigorar do sistema de pensamento religioso, acompanhado de uma degradação do sistema de pensamento científico. Diante disso, propõe a importância de um reinvestimento das bases sublimatórias do pensamento científico, vendo nessa interação a possibilidade da reconstrução de um sistema de pensamento que rompa com a ideia de criar Weltanschauung.

Palavras-chave: sublimação; pensamento; narcisismo; Weltanschauung.

O autor coloca que a comunicação não verbal entre duas pessoas (ou entre analista e analisando) existe, assim como diferentes teorias para explicá-la. Cita proposições de Klein, Winnicott, Bion, Andrade, Freud…, e escreve que, diferentemente desses autores, há outros que defendem a ideia de que a intersubjetividade seria uma interação de duas subjetividades que forma uma realidade comum às duas. Rebate as afirmações de alguns desses autores e sugere que o que normalmente é visto como intersubjetividade poderia ser chamado, de maneira mais apropriada, de inter-relação e implica que o analista tem uma relação objetal com o analisando e este se relaciona com o analista. Acrescenta que intersubjetividade, no sentido de comunicação direta entre duas subjetividades, não pode existir se aceitarmos as colocações de Kant e Bion da impossibilidade de alcançarmos o objeto em si e por não termos contato direto com a realidade externa, como afirmam Freud, Winnicott, Bion, Popper, Damásio e outros.

Palavras-chave: intersubjetividade; inter-relação; comunicação; comunicação não verbal.

Pontos de vista

Nesta breve análise são consideradas as transições que poderão afetar o homem do futuro. Mudanças climáticas, aumento da população, crescente dependência tecnológica, engenharia genética, evolução social são as ameaças aqui revistas. Concluímos esperançosamente que, embora com perdas e sofrimento, o homem, durante o corrente século, ao final suplantará esses obstáculos, alcançando um maior equilíbrio e autossuficiência.

Palavras-chave: futuro; evolução; catástrofes.

Diálogo

Resenha