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Volume 52 nº 2 - 2018 | Outras palavras

Sumário (Clique nos títulos para acessar editorial ou resumos disponíveis)

Editorial

Neste número, procuramos priorizar a produção de colegas da Febrapsi e, ao mesmo tempo, oferecer a possibilidade de contato com o pensamento de autores franceses que estiveram recentemente no Brasil, participando de atividades científicas e apresentando sua produção psicanalítica. A decisão de lançar “Outras palavras” representa o desejo da equipe de acolher os tra­balhos recebidos pela rbp, independentemente dos temas pautados pelo projeto editorial.

Por ser de âmbito nacional, a rbp tem a capacidade de socializar o que é produzido na Febrapsi e na IPA e divulgar o que é pensado e debatido além de nosso território institucional. As revistas temáticas cumprem esse objetivo re­cortando temas e aprofundando debates. Este número, porém, pode ser visto como uma fotografia do que chega espontaneamente, sem o estímulo de uma proposta temática. Assim, circulando por outras palavras, por outros pensa­mentos, oferecemos um espaço mais livre para diferentes tipos de trabalho.

Começamos, na seção “Diálogo”, com uma entrevista realizada pela equipe editorial com os psicanalistas franceses Emmanuelle e Bernard Chervet, quando estiveram em São Paulo a convite da diretora científica da SPBSP Silvana Rea e de sua equipe, a quem agradecemos por nos ceder as con­ferências que eles proferiram na ocasião, também publicadas neste número. Com isso, o leitor tem a oportunidade de conhecer os autores pela entrevista e de se aprofundar no pensamento deles por meio de seus textos.

Em “Outras palavras”, temos um artigo de Anne Brun, psicanalista fran­cesa que veio ao Brasil em abril de 2018 e participou de um seminário organi­zado pela rbp em parceria com a SBPSP.

“História da psicanálise”, por sua vez, traz um breve artigo do colega Sergio Lewkowicz sobre a história da psicanálise em Porto Alegre. São de­poimentos e reflexões que nos ajudam a formar um panorama da história da psicanálise no Brasil no âmbito das Sociedades pertencentes à IPA.

Em “Projetos e pesquisas”, podemos acompanhar o trabalho dos colegas Rogério Lerner (SBPSP) e Marlene Guirado (USP), que discutem uma pesqui­sa em psicanálise realizada numa instituição de atendimento clínico e educa­cional. Com essa seção, vale ressaltar, pretendemos dar um passo à frente na construção de um espaço experimental, que permita a troca de conhecimento sobre projetos e pesquisas coordenados por psicanalistas. A perspectiva é dar voz a novas propostas de intervenção psicanalítica institucional e/ou a refle­xões sobre as formas de pesquisa em psicanálise, em todas as suas múltiplas expressões. Trata-se de um espaço plural, de acolhimento das diferentes ma­neiras de entender o que é a pesquisa em psicanálise. É uma seção permanen­temente aberta ao debate e ao novo que surge da produção de colegas, dentro e fora da Febrapsi.

No material recebido e organizado, buscamos descobrir os temas que flo­resceram nesse período de trabalho editorial da equipe. Algo que se destacou foi a noção de diálogo livre, para além das escolas psicanalíticas. Apareceram trabalhos cujas influências verticais são cruzadas por influências horizontais.

O que apresentamos é uma pequena amostra do panorama de uma nova geração de analistas, que pensa a psicanálise com a liberdade de construir os debates horizontalmente, ou melhor, que produz conhecimento por uma gestão compartilhada do patrimônio psicanalítico legado por Freud, e não por uma verticalização hierárquica geracional.

Em suma, é uma produção para além dos autores que fizeram escola, uma reflexão sobre a psicanálise que, após a era das grandes escolas, abre novos caminhos. Podemos sentir as mudanças na psicanálise. Que venham os bons ventos!

 

Marina Massi

Editora

Diálogo

Outras palavras

A exploração das novas formas da clínica contemporânea, especialmente das patologias graves, motivou os psicanalistas a conferir uma atenção cada vez maior à sensório-motricidade nas clínicas consideradas difíceis. A abordagem terapêutica dessas patologias narcísico-identitárias necessita de conceitualizações que permitam pensar a importância do sensorial, do corpo e da motricidade. De modo geral, constata-se que a maioria dos teóricos analistas do século xxi foi confrontada com a necessidade de introduzir conceitos específicos para pensar e se encarregar das clínicas decorrentes de situações-limite e extremas da subjetividade. O ponto em comum dessas novas contribuições teóricas consiste em explorar os efeitos das primeiras experiências sensório-afetivo-motoras na relação com o objeto, as quais representam um papel essencial na aplicação dos processos de simbolização ou em sua falência. Discutem-se diferentes modos de escuta e de intervenção do analista, que colocam em jogo as formas primárias de simbolização.
Palavras-chave: arcaico, interpretação, patologias narcísico-identitárias, sensório-motricidade, significante formal

Neste texto, aborda-se a mentira a partir do estudo de obras literárias, mitos, situações sociais e da clínica psicanalítica. Propõe-se uma classificação das mentiras utilizando o continuum narcisismo ↔ social-ismo. Discutem-se, em particular, a mentira narcísica e a mentira perversa, levantando-se hipóteses sobre sua dinâmica e suas funções nos grupos e na sociedade. Vinhetas clínicas mostram como a mentira consciente se articula com outras defesas, constituindo-se organizações narcísicas perversas, que buscam desumanizar o objeto e destruir a percepção da alteridade. As organizações defensivas protegem da desestruturação psicótica e da revivência de traumas primitivos. O sentimento de não existência é substituído por uma fachada de excitação perversa e fruição sádica. Objetos mentirosos, fraudulentos, suspeitos, não confiáveis revelam-se nas tramas encenadas no campo analítico. Conluios perversos entre os membros da dupla analítica podem não ser identificados, eventualmente ativando condutas não éticas do analista.
Palavras-chave: mentira, perversão, organizações narcísicas, conluios perversos, campo analítico, enactment

As ideias aqui desenvolvidas visam exercitar um pensamento sobre o complexo de castração, conceito secular da metapsicologia freudiana, em seu vínculo com o pulsional: morte e vida. O objetivo é estabelecer um diálogo com as novas configurações, que vêm produzindo diversas e inquietantes roupagens, desafiando as soluções até então fixadas pela ordem social. Diante desse contexto, busca-se refletir a respeito da pertinência desse complexo – em sua intrínseca relação com o complexo de Édipo – como organizador por excelência da psique e, por conseguinte, da cultura.
Palavras-chave: castração, Édipo, pulsão, novas configurações

Neste trabalho, estuda-se o funcionamento do ego-realidade inicial, em particular as defesas funcionais e patológicas utilizadas pelo recém-nascido para tramitar as exigências pulsionais, com destaque para a projeção, a qual se encontra na base do surgimento do afeto e da formação da barreira de proteção antiestímulo, cujas falhas abrem caminho para o contágio orgânico-afetivo patológico na relação mãe-bebê, podendo estender-se aos relacionamentos da vida adulta e ao setting analítico, com expressão na contratransferência.
Palavras-chave: ego-realidade inicial, libido intrassomática, contágio, projeção, contratransferência

Este artigo tem por objetivo expor e analisar a ideia de self na psicologia psicanalítica do self, de Heinz Kohut. Para isso, vamos apresentar as duas fases da concepção de self existentes na obra do autor – a saber, self no sentido restrito, anterior a 1975, e self no sentido amplo, posterior a essa data –, levantando questionamentos e discutindo os textos do autor. Afirmamos que existe, na teoria kohutiana, uma definição fenomênica e outra metapsicológica para o self. Enquanto a primeira permanece relativamente constante em toda a obra do autor, a definição metapsicológica sofre alterações. Quando o self é concebido num sentido restrito, ele é considerado um conteúdo das instâncias psíquicas; já depois de 1975 passa a ser visto como uma estrutura supraordenada, independente dessas instâncias. Nesse último momento, o modelo metapsicológico proposto por Freud torna-se menos importante para Kohut, que rompe com a teoria que chama de clássica.
Palavras-chave: self, Kohut, narcisismo

Neste artigo, descreve-se o caso clínico de um paciente borderline, cujo self era inicialmente formado por uma hipertrofia da área intelectual e que, ao longo da análise, veio a conquistar um corpo próprio e, com isso, uma unidade psicossomática. Essa descrição tem a finalidade de mostrar que, na perspectiva winnicottiana, existem outras possibilidades de interpretar os sonhos em casos de patologia borderline, possibilidades que escapam à teoria dos sonhos proposta por Freud. Não se pretende fazer uma revisão da teoria freudiana, o que exigiria um estudo à parte. Conclui-se que, na perspectiva winnicottiana, o sonho geralmente traduz características do estágio de amadurecimento em que o paciente se encontra.
Palavras-chave: patologia borderline, personalização, unidade psicossomática, sonhos

História da psicanálise

O autor apresenta sua visão sobre a história da psicanálise no Rio Grande do Sul desde a década de 1970 até os dias de hoje, período de sua formação médica, psiquiátrica e psicanalítica. Descreve também um pequeno levantamento que realizou com colegas brasileiros, concluindo que talvez no Brasil possamos falar de uma psicanálise pós-colonial, “mestiça”, que está buscando sua identidade em um processo paralelo ao do nosso país na contemporaneidade. Processo que implica a desidealização do estrangeiro e a recuperação do valor do nosso.
Palavras-chave: história da psicanálise, psicanálise brasileira, idealização do estrangeiro, psicanálise pós-colonial

Projetos e pesquisas

Neste trabalho, o método de análise institucional do discurso foi empregado para estudar como se constrói um caso clínico numa instituição de atendimento psicanalítico para crianças com autismo, e quais são os princípios pelos quais se dá tal construção e se desdobram as relações decorrentes, tanto dos profissionais entre si como deles com os clientes ou com os profissionais de outras instituições. Essa proposta é original, como também o fato de o pesquisador ser parte da equipe da instituição. Foram analisados dois tipos de material: 1) entrevistas realizadas com membros da instituição; 2) relatos clínicos feitos pelo próprio pesquisador após os atendimentos, bem como da supervisão de alguns desses atendimentos com o profissional de referência da instituição. O discurso psicanalítico é hegemônico, mas não exclusivo, na constituição das cenas de atendimento. Revelaram-se embates e tensões entre as distintas modalidades discursivas que compõem a instituição. As consequências desses embates são discutidas.
Palavras-chave: autismo, psicanálise, análise institucional do discurso

Resenhas