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Volume 53 nº 3 - 2019 | Palavra e Verdade

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Editorial

Julia Kristeva abre este número com um artigo sobre o feminino, pode parecer fora de lugar, mas ao contrário, Kristeva nos mostra quando um conceito, em vez de se esvaziar, pode se diversificar de novos significados calcados num processo dramático e radical de transformação da realidade sócio-histórica.

A preparação de cada número da RBP é precedida por um intenso trabalho de reflexão sobre os temas candentes de nossa realidade, os quais afetam nosso ofício de psicanalista. Mediante um brainstorm, procuramos ser tocados por eles, com o intuito de fazer surgir algo que nos interpele e exija nosso debruçar sobre ele, em busca de uma abertura e um aprofundamento capazes de incidir sobre a clínica, a teoria e o método da psicanálise. Foi dessa maneira que surgiu o tema deste número: Palavra e verdade.

Em nossas discussões, consideramos que o tema poderia ser explora­do por diferentes prismas: da filosofia, da ética, da prática psicanalítica, entre outros. Tomamos dois pontos como centrais em nossas discussões. O primei­ro foi o fato de a matéria com a qual o analista trabalha ser a palavra – tanto a do analisando como a do próprio analista. O segundo foi o esvaziamento da palavra, seu esgarçamento observado nos dias atuais, quando as fake news ganham destaque nas redes sociais, influenciando e obstruindo o pensamento crítico sobre a realidade.

A carta-convite deste número contemplou parte das discussões da equipe editorial para que o leitor e colaborador pudesse captar a proposta temática a ser debatida. É interessante observar o que estamos publicando, como uma amostra dos trabalhos realizados por colegas no país.

A primeira menção à importância da palavra em Freud encontra-se em “Tratamento psíquico”, de 1890, em que o autor aponta para o poder da palavra, quando disse:

As palavras são o mais importante meio pelo qual um homem busca influenciar outro; as palavras são um bom método de produzir mudanças mentais na pessoa a quem são dirigidas. Nada mais existe de enigmático, portanto, na afirmativa de que a mágica das palavras pode eliminar os sintomas de doenças, e especialmente daquelas que se fundam em estados mentais. ([1890]1905/1972, p. 306)

Podemos observar a extensão da importância da palavra e a preocu­pação de Freud com o tema quando reconhece, numa conferência no ano de 1916, que, na formação em medicina, os alunos estão acostumados a ver coisas – a contração de um músculo, o precipitado de uma reação química, uma preparação anatômica… –, enquanto

na psicanálise, ai de nós, tudo é diferente. Nada acontece em um tratamento psi­canalítico além de um intercâmbio de palavras entre o paciente e o analista. O paciente conversa, fala de suas experiências passadas e de suas impressões atuais, queixa-se, reconhece seus desejos e impulsos emocionais. O médico escuta, pro­cura orientar os processos de pensamento do paciente, exorta, dirige sua atenção em certas direções, dá-lhe explicações e observa as reações de compreensão ou de rejeição que ele, analista, provoca no paciente. (1916/1985b, p. 29)

A seguir, Freud trata das desconfianças de amigos e parentes de doentes submetidos à análise, quando perguntam se não poderia ser feito algo pela doença que não seja simplesmente falar. Ele completa seu argumento dizendo:

As palavras, originalmente, eram mágicas, e até os dias atuais conservam muito de seu antigo poder mágico. Por meio de palavras uma pessoa pode tornar outra pes­soa jubilosamente feliz ou levá-la ao desespero, por palavras o professor veicula seu conhecimento aos alunos, por palavras o orador conquista seus ouvintes para si e influencia o julgamento e a decisão deles. Palavras suscitam afetos e são, de modo geral, o meio de mútua influência entre os homens. Assim, não depreciaremos o uso da palavra na psicoterapia. (p. 29)

Essa maneira de considerar o poder da palavra está em concordância com o pensamento de Walter Benjamin, que considera o tema da origem da linguagem, da essência da linguagem, algo ligado a seu caráter mágico. Para o autor, apesar das variadas formas como a linguagem possa mostrar-se eficaz, “ela o será não através da mediação de conteúdos, mas antes através do mais puro abrir de sua dignidade e de sua essência” (citado por Seligmann-Silva, 1999, p. 79).

Benjamin elaborou sua teoria da linguagem em diálogo com pensadores alemães, em especial com os poetas e críticos Friedrich Schlegel e Novalis. Em sua abordagem, a linguagem foi tomada não tanto numa dimensão instrumen­tal, mas numa dimensão considerada como mágica ou performativa, quando dizer é fazer, ou seja, quando a palavra tem o poder de interferir na realidade.

Num pequeno mas potente texto, “Narrativa e cura”, Benjamin relata a experiência de uma mãe à beira do leito de um filho enfermo. Ela fala, narra histórias, e Benjamin se interroga: “A narrativa não criaria, muitas vezes, o clima apropriado e a condição mais favorável de uma cura? Não seria toda doença curável se ela se deixasse levar pela correnteza da narração até a foz?” (2002, p. 115). O mesmo poder da palavra encontramos na observação de Freud de um menino com medo do escuro. Reconhecendo que o medo do escuro e da solidão está relacionado à ausência da pessoa amada que cuida da criança (a mãe ou substituta), Freud nos conta ter observado uma criança com medo do escuro dizer em voz alta: “Mas fala comigo, titia. Estou com medo!”. E a tia: “Por quê? De que adianta isso? Tu nem estás me vendo”. Ao que a criança responde: “Se alguém fala, fica mais claro” (1917/1985a, p. 474).

Na concepção benjaminiana, a linguagem é a essência espiritual do homem. Assim, “ele não pode comunicar-se através dela, mas sim nela. A suma dessa totalidade intensiva da linguagem como essência espiritual é o nome. O homem é aquele que denomina. Daí reconhecer-se que a linguagem pura fala a partir dele” (citado por Seligmann-Silva, 1999, p. 81)

A questão da verdade surge de um estranhamento em relação à dimen­são que as fake news, presentes nas redes sociais, ganharam no mundo político e na vida cotidiana de todos nós. Trata-se de uma forma contemporânea de comunicação na esfera pública e privada, naturalmente muito potencializada pelos meios de divulgação de massa. Encaradas como expressão sintomática de nossa época, as fake news podem ser consideradas representantes da quali­dade dos discursos que circulam socialmente, confundindo o pensamento e o julgamento da realidade.

As observações do filósofo italiano Luigi Pareyson já prenunciavam essa situação em 1971, num tempo em que ainda não tínhamos a tecnologia avançada de hoje. Segundo o autor, o exagero dos mass media e da indústria cultural decorrente deles levou a uma escrita de “consumo rápido e imediato, intolerante com as pausas requeridas pela releitura e reflexão” (2005, p. 1). No mesmo texto, Pareyson faz uma defesa da filosofia, de sua extrema necessida­de. Propõe que ela não pode ser retomada “sem que se restitua ao pensamento seu princípio genuíno, que é a verdade”. Critica todas as tentativas de reduzir o pensamento a algo “histórico e pragmático, técnico e instrumental, empírico e ideológico” (p. 2). De acordo com ele, o pensamento verdadeiro, aquele digno desse nome,

é antes de tudo pensamento do ser, e disso deriva sua virtualidade prática e sua eficácia histórica: por um lado unidade originária de teoria e prática … por outro lado pensamento autêntico, preocupado com aquilo que é seu princípio e sua origem, isto é, com sua radicação ontológica e com seu caráter revelativo, e, por isso mesmo, capaz de dirigir e fecundar a experiência e de dominar e transformar a situação. (p. 3)

O autor ainda diz que a verdade não pode ser entendida num sentido meramente objetivo ou meta-histórico. Isso porque

ela não é objeto, mas origem do pensamento, não é resultado, mas princípio da razão, não é conteúdo, mas fonte dos conteúdos; por outro lado, ela só se oferece no interior de uma interpretação histórica e pessoal que já a formula de determinado modo, com o qual se identifica a cada vez, sem nele se exaurir ou a ele se reduzir. (pp. 3-4)

Pareyson observa que há uma solidariedade entre pessoa e verdade. Com isso, o autor sustenta a essência genuína do conceito de interpretação. Com base nesse conceito de interpretação, propõe distinguir pensamento expressivo de pensamento revelativo. Aprofundando a diferença entre esses dois modos de pensamento – o pensamento que é mero produto histórico e o pensamento que manifesta a verdade –, o autor afirma que tal distinção não diz respeito apenas à filosofia, mas constitui o dilema que o homem enfrenta seja qual for sua ativida­de: “O homem deve escolher entre ser história e ter história … entre renunciar à verdade ou dar uma revelação irrepetível dela”. Isso vai depender da forma como o homem livremente prospecta a própria situação. Ele pode prospectar “como simples confim da existência ou como abertura para o ser, como limitação ine­vitável e fatal ou como via de acesso à verdade” (p. 9).

Para o autor, “no pensamento revelativo, a palavra revela a verdade no mesmo ato em que exprime a pessoa e seu tempo, e vice-versa”. No entanto, tudo se transforma quando a liberdade para de reger o vínculo entre verdade e pessoa:

A verdade desaparece, deixando o pensamento vazio e desancorado, desaparecen­do também a pessoa, reduzida a mera situação histórica. … A natureza da palavra se degenera e se fragmenta: de um lado, um discurso cuja racionalidade vazia só se presta a uma utilização técnica e instrumental; do outro, mascarado pelo discurso explícito, o verdadeiro significado deste, isto é, a expressão do tempo. (pp. 12-13)

Neste número, contamos com o trabalho de Luiz Alfredo Garcia-Roza “A função significativa da palavra: Lacan e Santo Agostinho”, retirado de seu livro Palavra e verdade, publicado pela editora Zahar. Nesse texto, o autor retoma a proposta agostiniana de que a verdade não habita a palavra, mas que é a verdade, através de nossa interioridade, que possibilita a palavra:

Ao articular a palavra com a interioridade e com a verdade, Agostinho remete-a também simultaneamente ao registro do erro, do equívoco, da mentira. E é por referência a esse registro que podemos situar a questão do sujeito. É isso que inte­ressa particularmente a Lacan em sua análise.

É com prazer que contamos com essa colaboração, e por isso gostaría­mos de agradecer a Livia Garcia-Roza a generosa autorização para a publica­ção, bem como à editora Zahar.

Por último, queremos informar a nossos leitores e colaboradores que a RBP alcançou nota B1 na última avaliação da Capes.

Boa leitura!

 

Referências

Benjamin, W. (2002). Narrativa e cura. Jornal de Psicanálise, 35(64-65), 115-116.

Freud, S. (1972). Tratamento psíquico. Fragmento da análise de um caso de histeria. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade e outros trabalhos. In S. Freud, Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud (J. Salomão, Trad., Vol. 7, pp. 297-316). Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em [1890]1905)

Freud, S. (1985a). A ansiedade. In S. Freud, Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud (J. Salomão, Trad., Vol. 16, pp. 457-479). Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1917)

Freud, S. (1985b). Parapraxias. In S. Freud, Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud (J. Salomão, Trad., Vol. 15, pp. 27-101). Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1916)

Pareyson, L. (2005). Verdade e interpretação (M. H. N. Garcez & S. N. Abdo, Trads.). São Paulo: Martins Fontes.

Seligmann-Silva, M. (1999). Ler o livro do mundo. São Paulo: Iluminuras.

 

Marina Massi

Editora

 

Leda Maria Codeço Barone

Editora associada

Diálogo

Neste texto, a autora reconhece, na atualidade, uma mutação antropológica que faz das mulheres uma força emergente, e procura responder se a psicanálise pode e deve se fazer ouvir nessa nova fase do mal-estar na civilização. Considerando que o feminino tem sido rejeitado na esfera de interesse da ética, a autora observa que a psicanálise rompe com essa exclusão. A partir da ideia de Simone de Beauvoir de que “não se nasce mulher, torna-se mulher”, e por meio da escuta clínica, são apresentadas algumas etapas do porvir do feminino.
Palavras-chave: feminino, ética, identidade psicossexual, feminino transformativo, heterossexualidade

Palavra e verdade

O autor pretende demonstrar de que maneira a ideia de desmentido, tal qual descrita pela teoria do trauma de Sándor Ferenczi, ajudaria a refletir acerca da dissociação entre palavra e verdade e seus reflexos psicopatológicos. Pretende também estudar como uma série de propostas clínicas por ele apresentadas, reunidas a partir da noção de reconhecimento como teorizada por Jessica Benjamin, possibilitaria uma prática clínica psicanalítica que teria como um de seus objetivos restabelecer essa correlação, permitindo uma experiência mais integrada do self.
Palavras-chave: Sándor Ferenczi, Jessica Benjamin, trauma, desmentido, reconhecimento

Neste ensaio discutimos a concepção de linguagem de sobrevivência para designar o modo de comunicação singular e solitário que uma pessoa produz para dar conta de turbulências emocionais vividas em estado de desamparo. Partimos de uma discussão sobre os limites da linguagem como fenômeno paradoxalmente impessoal e interpessoal, que introduz no campo analítico uma dialética fundamental para engendrar com cada analisando uma linguagem de reconhecimento capaz de veicular a intimidade da experiência. Para isso, propomos um diálogo com textos de Christopher Bollas, Pérsio Nogueira e Thomas Ogden acerca das possibilidades da comunicação analítica nos limites próprios das formulações verbais.
Palavras-chave: linguagem, comunicação, singularidade, reconhecimento, interpretação

A demanda de análise infantil costuma advir, em geral, das formações sintomatológicas produzidas diante das angústias castrativas vivenciadas pelas crianças em face das regras impostas pela cultura – os chamados traumatismos estruturantes, essenciais à constituição psíquica. Não obstante, a autora pretende mostrar ao leitor, através de vinhetas clínicas, que os analistas precisam dar atenção especial àqueles casos em que é preciso lidar com os efeitos dos traumatismos desestruturantes que ocorrem no abuso sexual ou na alienação parental. Essas situações, provocadas por adultos incapazes de controlar seus impulsos, deixam marcas irrepresentáveis inscritas no corpo da criança, e também sequelas irreversíveis em seu narcisismo e em sua autoestima. Tais atuações, por parte daqueles que deveriam se responsabilizar pela proteção da criança, acabam obstaculizando a possibilidade de representação psíquica e os processos de simbolização do aparelho psíquico em formação, implantando assim o risco de a criança cair em um estado de alienação mental.
Palavras-chave: traumatismo, alienação parental, abuso sexual, palavra, análise de crianças

Interface

Este artigo, filiado aos estudos da comunicação, aprofunda a hipótese (já apresentada em textos anteriores do autor) de que duas esferas que o discurso do capitalismo globalizado entende como separadas, quais sejam, o negócio do entretenimento e as empresas de tecnologia, constituem um corpo único, a indústria do imaginário. Para essa indústria, o olhar é uma força produtiva, assim como era o trabalho em fases anteriores do capitalismo. Daí a necessidade de uma técnica especializada na extração de olhar e no emprego do olhar para fabricar o que, de passagem, Jacques Lacan, nos anos 1960, chamou de valor de gozo. Assim opera o capitalismo na era da sociedade do espetáculo, em que o capital se encontra “em tal grau de acumulação que se torna imagem” (Debord). A era digital não revogou o espetáculo; ao contrário, potencializou-o numa profusão de signos em que a imagem avança sobre a palavra e, na palavra, a função imaginária fala mais alto que a função simbólica. O triunfo da técnica, antes entendido como a prevalência da razão, impõe-se como o triunfo do capital (espetáculo). O pensamento se recolhe.
Palavras-chave: indústria do imaginário, valor de gozo, olhar, técnica, palavra

Outras palavras. Trabalhos premiados do XXVII Congresso Brasileiro de Psicanálise

O autor propõe que a introdução da experiência do estranho na obra de Freud caracteriza uma virada paradigmática, com base no campo da estética, em direção a um resto de real do pai da horda primitiva e à concepção de existir uma tendência desarticuladora, a pulsão de morte. Propõe ainda que há uma função desnaturalizante intrínseca ao ser humano, decorrente da incorporação do pai da horda primitiva, que tem efeito de corte e que só pode ser capturada na transferência por meio de um estado psíquico particular de ruptura e abertura para o novo. É a partir desse resto negativado que o ser humano se funda, e em torno do qual a vida se constitui. Um extrato da clínica é apresentado para situar a experiência estética no campo transferencial.
Palavras-chave: estranho, pulsão de morte, objeto estético, pai

Neste artigo, a autora trata de sua experiência clínica com Moscarda,
paciente nomeado com base na obra de Luigi Pirandello. Esse nome é utilizado por aludir à intensidade do contato do analista com pacientes que apresentam fortes traços psicóticos. No caso abordado, a aproximação com o estranho no paciente, na analista e na dupla foi um estímulo à reflexão sobre os desafios do analista em sua mente, para desenvolver sua função alfa e mantê-la operante, e sobre a importância do trabalho de working toward, a fim de alcançar a mente primitiva do paciente e acessar e desenvolver a função alfa dele a partir da experiência emocional do analista.
Palavras-chave: estranho, função alfa, partes psicóticas da mente, mente primitiva, working toward

Este texto se baseia nas (e se articula com as) formulações teóricas de Bion. Focaliza as observações e conjecturas do analista, a mente do analista, adotando a ideia de que o germe de seus pensamentos, mesmo que equivocados, surge na relação entre analista e analisando. Apoiando-se fortemente no conceito de cesura, apresenta a conjectura imaginativa/teórica de uma intersecção dos tempos passado, presente e futuro, vivenciada na experiência em curso na sessão de análise. Essa intersecção de tempos remete quem a vivencia a sua própria história de vida e à possibilidade de “ser lançado” para um futuro, movimentos que podem ser evitados devido a incontáveis fontes de angústia, algumas apresentadas no texto. Quando o analista é capaz de tolerar essas angústias, ele encontra condições para formulações verbais favorecedoras do desenvolvimento mental da dupla. Das vivências infinitas, inefáveis, talvez o analista alcance a linguagem de achievement em sua interpretação.
Palavras-chave: inefável, infinito, linguagem de achievement, interpretação, cesura

Como teoria e técnica, a psicanálise vem evoluindo e se transformando desde o seu surgimento. Nesse cenário, o processo psicanalítico tem sido cada vez mais entendido como vincular: o encontro de duas pessoas, duas mentes, com um mundo psíquico compartilhável. Como incluir então, dentro da visão psicanalítica, o trabalho com crianças com autismo, encarceradas nos seus refúgios, em que predominam sensações autogeradas em detrimento das interações e dos vínculos humanos? Além disso, as crianças com autismo, ainda que despertem em nós o familiar do encontro com o infantil, por meio da sua forma de se apresentar ao mundo nos põem em contato direto com vivências de estranheza, inquietude e assombro. Como fazer a ponte entre o não familiar que se nos apresenta e o familiar pertencente à natureza humana? Mediante vinhetas do atendimento de duas crianças com autismo, este trabalho busca compartilhar com o leitor como o nosso conhecimento psicanalítico pode ser usado e como o psiquismo do analista, submetido a intensas vivências de não representação, pode lançar mão da sua capacidade de sonhar e alucinar para ajudar essas crianças a lidar com o irrepresentável por trás dos refúgios autísticos.
Palavras-chave: autismo, psicanálise, irrepresentável, sonho, subjetivação

A psicanálise e a literatura têm estabelecido uma frutífera parceria desde as origens do movimento psicanalítico. No entanto, a presença marcante da psicanálise na cultura não corresponde a um número significativo de obras literárias em que a psicanálise e os psicanalistas são personagens. Neste artigo, destacam-se algumas obras que apresentam formas específicas de trabalho do psicanalista, mais propriamente a maneira como as suas emoções e o seu mundo interno participam do processo psicanalítico. A partir daí, discute-se a complexidade de lidar com a contratransferência em abordagens diferentes da técnica. As diversas narrativas da contratransferência compõem o que se chama de continente chiaroscuro do psicanalista, no qual a técnica da pintura renascentista serve como metáfora do que se revela e do que se oculta, numa alternância de luz e sombra, a respeito das questões emocionais do analista e de como repercutem no processo analítico. Com base em duas obras literárias que mostram dificuldades contratransferenciais, faz-se uma correspondência com duas situações clínicas ilustrativas.
Palavras-chave: psicanálise e literatura, narrativas, contratransferência, pessoa do analista, romance familiar

Projetos e pesquisas

Este artigo aborda a pesquisa psicanalítica dirigida à criação de dispositivos clínicos para a construção de políticas públicas. Relata a pesquisa realizada nos anos de 2015 e 2016 na cidade de São Paulo com o objetivo de subsidiar o Comitê Intersetorial da Política Municipal para a População em Situação de Rua (Comitê PopRua) para a construção do plano municipal para a população de rua. Essa pesquisa, contratada pela Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania de São Paulo, contou com a participação de 10 adultos que viviam ou viveram em situação de rua e que foram formados como pesquisadores sociais ao longo da pesquisa, a fim de que eles próprios realizassem as entrevistas em profundidade com outros moradores em situação de rua e com trabalhadores de diferentes equipamentos responsáveis pelo atendimento a essas pessoas. O referencial psicanalítico foi o eixo orientador da pesquisa.
Palavras-chave: pesquisa psicanalítica, psicanálise e políticas públicas, psicanálise e população de rua

Resenhas

Organizadores: Cláudio Laks Eizirik e Giovanni Foresti
Editora: Routledge, London, 2018, 302 p.

Autores: Luís Claudio Figueiredo e Nelson Ernesto Coelho Junior (com a colaboração de Paulo de Carvalho Ribeiro e Ivanise Fontes)
Editora: Blucher, São Paulo, 2018, 304 p.

Autor: Fernando José Barbosa Rocha
Editora: Blucher, São Paulo, 2019, 334 p.