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Volume 46 nº 4 - 2012 | Primeiras entrevistas

Sumário (Clique nos títulos para acessar editorial ou resumos disponíveis)

Quando decidimos, na comissão editorial, que o tema Primeiras entrevistas seria o título do último número deste volume, reconhecemos dois movimentos simultâneos: o de
clausura e o de abertura. Iniciamos o ano com uma proposta que visava a aprofundar a reflexão em torno da ética em psicanálise. Em sua sequência, dois números sobre “Passagens: entre o moderno e o contemporâneo”, uma vez que identificamos a necessidade de pensar sobre as transformações e as invariâncias no fazer analítico através dos tempos. Indagamo-nos a respeito das variações do lugar do analista e suas implicações éticas, estabelecendo um diálogo fecundo com o tema do Congresso da Fepal: “Invenção-tradição”.
O convite à reflexão acerca das primeiras entrevistas encontra seu lugar nesse movimento de abertura em direção ao outro, no qual a expectativa frente à alteridade domina
a cena. A singularidade dos processos temporais apreendidos pela psicanálise faz com que nesses primeiros encontros se condensem, tal como nos sonhos, precipitados das mais remotas vivências e inscrições psíquicas, que se insinuam por meio de afetos, silêncios e palavras, matéria-prima viva de um projeto possível, ou não, que se desenhará no campo inédito do encontro inaugural.
Entusiasmados, lemos muito do que se escreveu sobre o assunto e redigimos uma carta-convite como estímulo à reflexão, a qual se encontra publicada como abertura deste
número. A liberdade e a diversidade de focos escolhidos por parte de cada um dos cinco autores que abordam o tema contemplam, entre outros, os seguintes aspectos vinculados às primeiras entrevistas: a retificação subjetiva vista como transformação do pedido de ajuda em demanda de análise (quando possível), a especificidade no contexto da análise com crianças, a possível construção de uma hipótese diagnóstica, a singularidade idiopática entendida como instrumento auxiliar que pode orientar o analista na construção de um setting mais apropriado para aquela configuração psíquica particular, a atenção outorgada aos aspectos não verbais presentes no encontro e, finalmente, a comunicação inconsciente e a atenção à subjetividade do analista.
A riqueza e a complementaridade das abordagens encerram como questões nucleares a extrema sensibilidade dos autores à singularidade de cada entrevistado e o respeito pela
dor e pelo sofrimento psíquico. Aliados a esses elementos, destaca-se a atenção flutuante do analista, que capta a emergência de um elemento signicante graças ao surgimento de um campo transferencial que começa a ser colocado em jogo, e cuja força investe a palavra. Os textos de Fernando José Barbosa Rocha, Eliana da Silveira Cruz Caligiuri, Flávio Carvalho Ferraz, Augusta Gerchmann e Maria Bernadete Amêndola Contart de Assis, que transitam por estes temas e compõem a seção, poderiam ser apreciados como uma degustação de bons vinhos– cada um possui uma personalidade complexa, que foi sendo amadurecida e decantada por longos anos de experiência clínica, e cujo potencial evocativo poderá ser aquilatado em uma leitura dedicada e serena.
O texto da renomada semioticista e pesquisadora Beth Brait, que publicamos na seção de interface, visa a ampliar e a trazer novos matizes para nosso tema principal. Nele se
apresenta ao psicanalista a possibilidade de tomar conhecimento da obra de Bakhtin, cujos estudos nos campos da losoa da linguagem, da estética e da ética chegam a nós na forma do dialogismo. Fundada na relação constitutiva eu/outro, a noção de dialogismo permite reconhecer no discurso narrativo, em sua polifonia e alteridade, as marcas da ambiguidade e da tensão entre as múltiplas vozes que o habitam. O pensamento de Bakhtin, nas palavras da autora, “se oferece como a busca da compreensão das formas de produção de sentidos, apontando para uma ética/estética da linguagem, a qual engloba vários conceitos centrais e inovadores, estabelecendo relação entre linguagem, sujeito, vida, responsabilidade”.
Na seção de intercâmbio, contamos com a contribuição da psicanalista e importante pesquisadora israelense Alina Schellekes, que nos atualiza com um olhar panorâmico sobre
os estudos em torno do desenvolvimento precoce e estados mentais primitivos.
Este número conta também com um leque interessante de trabalhos enviados por autores que abordam diferentes aspectos de nossa prática– os trabalhos são instigantes, e
muitos deles na linha de frente da psicanálise atual. Alguns dos temas que o leitor encontrará nestes ricos ensaios são: os discursos não metaforizados, o lugar do dinheiro no contexto transferencial, o investimento subjetivante do analista na clínica do autismo, entre outros.
Gostaríamos de fazer uma menção especial à resenha de Pedro Heliodoro Tavares à publicação póstuma da tradução de “Luto e melancolia” pela nossa saudosa colega Marilene
Carone. Isto porque, com este trabalho, damos início à publicação de uma série resenhas sobre as novas traduções ao português da obra de Sigmund Freud, as quais irão se suceder nos próximos números.
Para concluir este editorial, gostaríamos de apresentar aos nossos leitores outro aspecto de nossa tarefa editorial. Destacamos que nos últimos congressos– Brasileiro de Psicanálise e da FEPAL–, o corpo editorial da Revista Brasileira de Psicanálise promoveu algumas atividades, dentre as quais se destacaram: a) Painel sobre Ética na publicação de material clínico e a indexação de revistas de Psicanálise.Foram convidados editoresregionaisda RBP, assim como oseditoresdas diferentes revistas editadas pelas Sociedades e Grupos de Estudos integrantes da FEBRAPSI; b) Ocina promovida pela RBP em parceria com Calibán (nova revista da FEPAL): Leitores, autores eeditoresdesde América Latina.Tradição e invenção em publicações psicanalíticas. O interesse despertado por essas atividades motiva-nos a dar sequência às iniciativas, a partir das quais editores, autores e leitores possam refletir e indagar conjuntamente sobre a produção de nossas revistas.
Chegamos ao fim de mais um ano de intenso trabalho, e gostaríamos de agradecer a todos os que contribuíram com a produção da Revista Brasileira de Psicanálise: aos  nossos autores e assinantes; a toda equipe editorial, em suas diversas comissões (temática, de avaliação, de interface e entrevistas, de resenhas e lançamentos, de intercâmbio); aos editores e coeditores regionais; aos pareceristas de todos os estados do Brasil; à nossa dedicada secretária Núbia; aos nossos revisores e diagramadores. Também agradecemos ao Conselho Diretor da Febrapsi e à Assembleia de Delegados e Presidentes das Sociedades e Grupos de Estudos, componentes da Febrapsi, de quem sempre recebemos apoio e estímulo para nossas iniciativas.
Muito grato a todos e uma boa leitura.
Bernardo Tanis
Editor

 

Artigos temáticos: Primeiras entrevistas

Este trabalho utiliza uma vinheta clínica para ressaltar a importância, nas primeiras entrevistas, do trabalho de retificação subjetiva na entrada em análise, fazendo com que o candidato à análise passe a se reconhecer como partícipe da situação geradora da dor. Assinala como uma memória construída por meio de uma narrativa pode permitir que o passado seja reinventado no presente, dando sentido a pulsões que, não conseguindo advir, não existiam como evento psíquico.
Palavras-chave: primeiras entrevistas; reticação subjetiva; entrada em análise; fort-da.

Se análise é a prática diária de um psicanalista, as primeiras entrevistas são o prólogo inevitável desse trabalho. Elas podem ser também um prólogo maior do que a própria análise e até constituir-se no único contato, sem continuidade. Para além de abordar, neste artigo, o método psicanalítico operando desde os primeiros encontros com o paciente– atenção flutuante a todo e qualquer material surgido, busca por um tipo de interação que propicie a construção de algum significado analítico, comunicação ao paciente de algo desconhecido de si–, procurei desenvolver as especificidades no atendimento da criança, ilustrando minhas considerações com vinhetas clínicas.
Palavras-chave: primeiras entrevistas; interação; criança; consulta terapêutica; surpresa.

As entrevistas iniciais em psicanálise têm uma finalidade diagnóstica ampla, que não se reduz à classificação do paciente dentro de quadros nosográficos da psicopatologia. Desde Freud, entretanto, a preocupação com a diferenciação entre o neurótico e o psicótico sempre teve uma ênfase mais forte. Autores de diversas escolas ampliaram e enriqueceram uma teoria da entrevista, colaborando com a passagem do procedimento empírico a uma investigação com base epistemológica. No presente artigo, defende-se o valor do conceito de singularidade idiopática, de Maurice Dayan, na avaliação do funcionamento psíquico nas entrevistas iniciais e na consequente escolha da técnica a ser empregada no
trabalho da análise.
Palavras-chave: entrevistas iniciais; técnica psicanalítica; singularidade idiopática.

A autora faz um apanhado histórico das primeiras entrevistas em psicanálise, desde Freud até autores contemporâneos. Propõe as primeiras entrevistas como necessárias para
identificar qual é a demanda da pessoa que busca tratamento, de modo a não se produzir um engano para ambos da dupla.
Palavras-chave: demanda de análise; entrevistas iniciais; frequência; processo analítico.

O presente artigo tem por objetivo focalizar o primeiro encontro do paciente com o analista. Como peculiaridade desse momento inicial, a autora sugere quatro aspectos a serem observados: (1) a atenção aos movimentos do paciente antes da chegada efetiva ao consultório, que informam sobre a urgência, as possibilidades e as resistências do paciente para a análise; (2) a observação inconsciente do paciente às condições mentais do analista para o acolhimento das identicações projetivas (viver o que precisa ser vivido); (3) o exame inconsciente do analista sobre sua própria disponibilidade interna para aquele paciente; (4) a apresentação ao paciente da singularidade da relação analítica, da escuta e do alcance da psicanálise, não em termos verbais, mas nos gestos e atitudes que compõem o exercício da função analítica. A autora sugere que é essa comunicação inconsciente o fator principal para a decisão sobre o início ou não do processo analítico. Daí a ideia de que o primeiro encontro é um campo potencial para o desenvolvimento da análise, como está expresso no título do artigo.
Palavras-chave: primeiro encontro com o analista; função analítica; hospitalidade; identificação projetiva.

Interface

O objetivo deste artigo é apresentar o pensamento bakhtiniano como conjunto de conhecimentos produzidos, em diálogo, por intelectuais, cientistas e artistas que nasceram no final do czarismo e que, ainda hoje, interessam às Ciências Humanas, à Linguística, à Literatura. Especialmente nos anos 1920, eles se envolveram em importantes debates, interessados em apresentar novas posturas em relação à linguagem, ao discurso, à estética, à losoa e à ética, dialogando polemicamente com o marxismo ortodoxo, com tendências dominantes tanto na psicologia como na losoa, com o estruturalismo, a estilística, o formalismo e, até mesmo, com a nascente psicanálise. O autor que empresta seu nome a esse pensamento, Mikhaïl Mikhálovich Bakhtin (1895-1975), pode ser caracterizado como o filósofo da linguagem, tendo vivido e produzido até a década de 1970. Dentre os conceitos que chegam ao século XXI, destaca-se dialogismo, fundado na relação constitutiva eu/outro, esteio dessa perspectiva dialógica da vida e da linguagem.
Palavras-chave: pensamento bakhtiniano; círculo; dialogismo; outro; polifonia.

Artigos

O ponto de partida da discussão é a constatação clínica de um paralelismo discursivo entre duas modalidades de enunciados que, apesar de coexistirem lado a lado, jamais se deixam tocar e estabelecer relações conflitantes. Trata-se, de um lado, de uma fala romanceada, permeada de devaneios e historicizada, e de outro, de uma série de dizeres extremamente claros e isentos de entrelinhas e equívocos. A partir desta constatação clínica, oferecemos um confronto entre duas das possíveis respostas que o sujeito fornece à alteridade necessária a sua constituição. A primeira destas respostas implicaria o trabalho de metaforização do discurso do outro; já a segunda remete à possibilidade de o
sujeito não metaforizar os enunciados em questão. Deste modo, serão investigadas as principais consequências, na dinâmica psíquica do sujeito, quando o mecanismo de metaforização do discurso do outro não encontra seu devido espaço. Investiga-se, também, a questão da direção do tratamento face à singularidade desses processos.
Palavras-chave: paralelismo discursivo; introjeção; incorporação; desmetaforização; psicanálise.

O dinheiro é um dos parâmetros fundamentais da configuração analítica (setting) mas, ainda assim, raramente é abordado na literatura e nos intercâmbios científicos. O autor propõe que a principal razão disso seja o vínculo inconsciente entre o dinheiro e as bases emocionais de nossa vida psíquica, ou seja, o apego, a dependência nas relações primárias, nas quais amor e ódio, vulnerabilidade e poder são paradoxalmente predominantes. Alguns casos clínicos fornecem evidências clínicas às estruturas teóricas propostas.
Palavras-chave: dinheiro; setting; relações precoces; dependência do analista; paradoxo.

Este artigo apresenta sessões conjuntas com os pais e sua lha de três anos, com transtorno global do desenvolvimento (posteriormente denido como Síndrome de Rett), incluindo traços autísticos. A criança, apática e hipotônica, com movimentos estereotipados das mãos, respondia pouco às solicitações dos adultos. Nas intervenções, procurou-se estabelecer redes de sentido que pudessem significar seu estado isolado e que resgatassem as funções parentais. Destaca-se o investimento subjetivante do analista no trabalho com crianças com transtornos autísticos. O trabalho se desenvolve a partir do setting de intervenção nas relações iniciais pais-bebê, dos conceitos de estados autísticos, de
reclamação, de subjetivação e de construção da parentalidade.
Palavras-chave: transtorno global do desenvolvimento; transtornos autísticos; relação pais-bebê; parentalidade; investimento subjetivante.

A natureza da atividade artística, embora declarada por Freud inacessível à psicanálise, foi por muitas vezes tema de diversificados textos psicanalíticos. O presente artigo procura refletir sobre os avanços teóricos que a psicanálise promoveu a respeito do brincar, para então verificar quais consequências esses avanços trouxeram para a teoria sobre a função psíquica da arte. Para melhor expor a relação existente entre brincar e fazer arte, partimos das principais considerações sobre o assunto anteriores a 1920 e analisamos as mudanças, desde as últimas elaborações freudianas até alguns comentários de Lacan.
Palavras-chave: brincadeira; arte; fantasia; repetição; psicanálise.

Este trabalho contém o relato de uma experiência clínica envolvendo a decisão de aceitar ou não em análise um jovem que despertou em mim fortes sentimentos conflitantes. Inspirada por associações com a gura de Satã, de O paraíso perdido, de John Milton, focalizo essencialmente o processo interno vivido por mim, destacando o que chamarei de visão interior e sua relação com o conceito kleiniano de bom objeto internalizado. Detenho-me no relato da sessão e estendo-me em reflexões posteriores, que possibilitaram minha organização pessoal daquela experiência.
Palavras-chave: visão interior; bom objeto; Klein; O paraíso perdido; John Milton.

Entre várias práticas necessárias para a constante formação de um psicanalista, apresento formulações a respeito de como conversar sobre nossos pacientes, especialmente por meio da comunicação escrita. Esta − mediante suas características de imobilidade − envolve riscos de rigidez, classificação e empobrecimento. A importância da comunicação de nossas experiências analíticas, da compreensão de aspectos arcaicos e dimensões subjacentes de nossa mente apontam para complexos limites no alcance de tais especificidades da psicanálise, sem cair em rigor científico − e, em outro extremo, em uma banalização da linguagem. A partir da experiência em redigir sobre uma relação analítica, formulo questões e discuto possibilidades de aproximação entre o experienciado e o escrito. Somada à importância de suportes teóricos, acredito na necessidade de desenvolver o psicanalista sua própria linguagem, única e criativa em cada experiência analítica, a cada momento desta e na maneira de comunicá-la.
Palavras-chave: comunicação escrita; experiência psicanalítica; dimensões psíquicas.

O conceito de gozo na clínica de Lacan é um conceito complexo que envolve a assimilação de várias teorias, sejam elas dos utilitaristas, dos sociólogos ou dos juristas. É um conceito que partilha também de uma dimensão ética, política e estética. Entretanto, ao incorporar um conceito de esferas tão distintas, certamente o psicanalista incorpora mais do que visava: há sempre um resquício dessas esferas para a compreensão do que seria o gozo. Este artigo busca mostrar um pequeno esboço ou um pequeno “capítulo” da história deste conceito, tal como sugere uma passagem do seu Seminário VII, em que o psicanalista analisa Antígona.
Palavras-chave: gozo; lei; transgressão; desejo.

Intercâmbio

Este artigo tenta enfocar o desenvolvimento emocional precoce, tanto durante a gravidez quanto na prima infância, como relevante para entender os estados mentais primitivos encontrados no trabalho clínico. Os prismas escolhidos para entender as origens de nossa mente, nesta pesquisa, são o do pensamento psicanalítico, baseado na experiência clínica e na teorização dessa experiência; o das interpretações psicanalíticas de fetos e observações de bebês; e, finalmente, o dos estudos desenvolvimentais.
Palavras-chave: estados primitivos da mente; observação de bebês; pré-natal; pós-natal protomental; atuação.

Resenhas