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Limites: prazer e realidade
“Limites: prazer e realidade”, esse foi o desafio temático lançado pelo XXIII Congresso Brasileiro de Psicanálise do qual acabamos de participar na cidade de Ribeirão Preto. O que esperamos de um Congresso de Psicanálise nos dias de hoje? Penso que algo a mais do que uma vitrine na qual os colegas possam expor seus trabalhos, transmitir suas mensagens e retornar com a sensação de “missão cumprida” às suas respectivas cidades de origem. Um Congresso é um momento de encontro no qual a comunidade analítica tem a oportunidade e o compromisso de colocar em pauta sua prática, seus conceitos norteadores, promover diálogos entre profissionais experientes e jovens ávidos de conhecimento, onde a psicanálise que se pratica em cada região possa ser interrogada. Um espaço no qual o outro pode contribuir para que nossas certezas não ceguem a nossa abertura face ao novo e ao inesperado.
O corpo editorial da Revista Brasileira de Psicanálise acompanhou de perto os preparativos do Congresso e procurou oferecer sua contribuição por meio de algumas iniciativas.
Realizamos, estimulados pelo presidente da Febrapsi Leonardo Francischelli e com a atenta e inteligente curadoria de Daisy Perelmutter e Daisy Camargo, uma exposição sobre
a Revista Brasileira de Psicanálise resgatando sua história e divulgando para a comunidade psicanalítica sua proposta editorial expressa em um dos painéis: “As diversas tendências teórico-clínicas, os diálogos cada vez mais recorrentes da psicanálise com outros campos de conhecimento, a interlocução do movimento brasileiro com o debate internacional; estas são algumas das muitas frentes de análise com as quais a Revista permanece comprometida e que pautam sua atuação.”
Em sintonia com essa proposta tomamos a iniciativa de montar durante o Congresso um painel em torno do tema: “Ética na publicação de material clínico e indexação de
revistas de psicanálise”, para o qual convidamos todas as equipes editoriais das revistas de psicanálise das Sociedades e Grupos de Estudos pertencentes à Febrapsi. Tivemos uma expressiva participação e esperamos desse modo inaugurar um espaço de interlocução para questões inerentes à singularidade do campo editorial psicanalítico face às novas demandas e mídias, tema que requer atenta reflexão e parceria.
Contribuindo com a temática do Congresso apresentamos neste número, na seção Debate, um estímulo para a reflexão a partir de trechos selecionados do livro Sociedade
Excitada: filosofia da sensação, do filósofo alemão Christoph Türcke. O autor constata as severas ameaças ao sistema perceptivo no contexto do atual momento da civilização, mas, longe de repetir clichês consagrados em torno da pós-modernidade, procura na genealogia da cultura as raízes do universo simbólico que nos constitui para se indagar sobre a fragilidade e transformação dessa fina tessitura. Convidamos duas psicanalistas, Cecilia Maria de Brito Orsini e Viviane Sprinz Mondrzak, a apresentarem seus comentários tomando como estímulo as ideias do filósofo. Também estendemos o convite a Eduardo Guerreiro Brito Losso, crítico literário, que tece seu comentário a partir dos desdobramentos posteriores da obra de Türcke com fortes ressonâncias para os psicanalistas. N a seção de Interface, mantendo o foco sobre o tema “Limites: prazer e realidade”, entrevistamos o economista Prof. Dr. Carlos Eduardo Soares Gonçalves, movidos pela busca de diálogo com um campo de conhecimento que consideramos ter bastante a oferecer no contexto das sucessivas crises que assolam o planeta.
Parabenizamos os autores premiados no Congresso e publicamos, como tradicionalmente o fazemos, seus trabalhos que focalizam, com refinamento, diferentes aspectos do
processo psicanalítico. Inovamos publicando, também, o prêmio Virgínia Bicudo oferecido pela ABC, dando voz à jovem geração de analistas em formação.
Dentre os vários e importantes trabalhos que fazem parte deste número destacamos dois, que gentilmente recebemos das autoras, são reflexões em torno de vivências afetivamente muito intensas e que encontram, no seio da experiência analítica, continência e elaboração:“Envelhecer, uma viagem para a descoberta de si mesmo”, de Danielle Quinodoz e “Voz perdida, voz encontrada: após a morte da analista”, de Robin A. Deutsch.
Para finalizar, agradecemos a contribuição de René Roussillon, cujo texto, “A intersubjetividade e a função mensageira da pulsão”, permite dar sequência ao aprofundamento
da temática de Intercâmbio escolhida para 2011: Intersubjetividade-intrasubjetividade.
Para finalizar este editorial, gostaríamos de parabenizar o Conselho Diretor da Febrapsi, assim como toda Comissão Organizadora do XXIII Congresso Brasileiro de Psicanálise pelo empenho e sucesso do evento.
Bernardo Tanis
Editor
O comentário, utilizando-se da experiência clínica da autora, tematiza os dilemas vividos pelo analista, perigosamente desafiado, como seu paciente, num embate entre proposições da vida contemporânea, aparentemente excludentes, ou seja: que solução singular encontrar para desenvolver-se enquanto sujeito no confronto com a força, aparentemente invencível, da “sociedade excitada”, conforme desvelada por Christoph Türcke.
Palavras-chave: narcisismo; excitação; vício; cultura contemporânea; clínica atual.
Tomando as ideias de Türcke como estímulo para uma reflexão livre, este comentário se propôs a pensar alguns aspectos da cultura ocidental contemporânea, incluindo o papel da psicanálise neste panorama. O eixo central situou-se em torno do papel da razão na modernidade, sua idealização como fonte de respostas, papel desempenhado anteriormente pelo pensamento religioso. A fratura no mito da razão nos torna mais humildes, com uma noção mais clara dos limites do nosso conhecimento. Mas, ao mesmo tempo, surgem defesas contra a quebra de onipotência, utilizando os meios que o desenvolvimento tecnológico atual coloca à disposição. São discutidos alguns aspectos relacionados aos
desafios que a psicanálise, como parte do pensamento ocidental da modernidade precisa enfrentar, no processo de integrar as mudanças sem perder sua essência.
Palavras-chave: pós-modernismo; razão; sensorialidade; lógica simétrica e assimétrica.
O texto introduz o leitor na recente obra de Christoph Türcke e sua tese de que a compulsão à repetição traumática está na origem da cultura, iniciada no livro Sociedade excitada: filosofia da sensação e aprofundada em Filosofia do sonho. Do ritual de sacrifício ao sinal de Caim, o autor apresenta uma visão geral dos estágios dialéticos da pré-história.
Palavras-chave: compulsão à repetição; trauma; sacrifício; escrita.
Considerando a relação analítica um desafio e um desconhecido a ser vivenciado, o texto destaca a importância do analista como pessoa e a sua interferência organizadora no funcionamento mental do analisando e em todo o desenrolar do processo de análise levando em conta as possibilidades e os limites da dupla.
Palavras-chave: relação analítica; processo analítico; situação analítica; pessoa do analista.
Partindo das observações de Freud sobre interpretação no clássico trabalho “Sobre o início do tratamento” de 1913, os autores procuram mostrar como pensam que se desenvolveria a atividade interpretativa em sua clínica atual, baseados particularmente em Bion, Baranger, Ogden e Ferro. Preferem utilizar a ideia de uma função interpretativa, mais ampla e que está continuamente presente em nossas mentes. Utilizam-se da peça de Luigi Pirandello, “Seis personagens em busca de autor” e de um caso clínico para ilustrar suas ideias.
Palavras-chave: interpretação; função interpretativa; busca de sentido.
A cada dia vemos crescer em nossos consultórios, comunicações eletrônicas entre pacientes e analistas. Essas comunicações variam entre emails, mensagens de texto, uso do Google e do Skype, a convites para que analistas participem de comunidades virtuais e conversas “em tempo real” (chats). O mundo virtual ou ciberespaço apresenta-se no material manifesto trazido pelos pacientes na sessão, desafiando o tradicional setting, definido como o encontro físico do par analítico no consultório, em horários pré-estabelecidos. O que podemos entender por esse tipo de comunicação? Como torná-las parte do processo analítico? Partindo de vinhetas clínicas, o presente trabalho aborda aspectos da evolução do ciberespaço na cultura e no discurso psicanalítico. A partir desse mapeamento, algumas ideias de Bion e Winnicott são utilizadas, principalmente, usando o entendimento transferencial como principal via para criar significado ao material manifesto, ampliando a transferência para além do tempo e do espaço da sessão clínica.
Palavras-chave: ciberespaço; setting; transferência; transitoriedade; paradoxo.
A autora relata uma experiência clínica inusitada em que a interpretação brota de um estado de devaneio e se questiona sobre a origem de tal interpretação. A partir do conceito de que o trabalho analítico ocorre quando a dupla analítica interage, criando em conjunto, para sustentar tal experiência recorre ao que Ogden denomina de terceiro analítico, resultado da interação intersubjetiva dos dois sujeitos da análise. O analista além de escutar a vivência do analisando, participa desta criação, inclusive com seu próprio devaneio. Assim como no jogo dos rabiscos de Winnicott, a construção acontece passo a passo, pela dupla analítica. O resultado dessa criação conjunta não tem como ser previsto e
pode mesmo surpreender.
Palavras-chave: devaneio; intersubjetividade; terceiro analítico; jogo dos rabiscos; técnica.
Com o auxílio da música lembrada na sessão, que funciona como um fato selecionado e associando essa experiência com outras possíveis situações, a dupla analítica pôde aproximar-se de uma experiência emocional que estava inalcançável. Progressivamente surgem evidências de uma possível restauração da função alfa debilitada. O autor utiliza como experiência empírica o caso do Senhor A, um paciente de 60 anos, atendido regularmente em análise há um ano e que apresentava problemas de ansiedade, além de um receio constante de estar com alguma doença. Seus sintomas e seu comportamento ficam esvaziados de sentido, servindo apenas como atualizações de experiências emocionais não elaboradas em consequência da falha de sua função alfa. A compreensão desses sinais como ruínas de registro sensorial da experiência emocional, junto com o trabalho analítico, permite, progressivamente, auxiliar o desenvolvimento da dupla e o paciente apresentar sinais de alguma restauração da função alfa.
Palavras-chave: restauração da função alfa; queixas hipocondríacas; sonho; material clínico; representação do acontecimento psíquico.
Um aspecto do trabalho de envelhecer consiste em tentar reconstruir nossa própria história interna de maneira a se poder dar a nossos últimos anos seu lugar justo em nossa jornada pela vida. Frequentemente será uma questão de superar o conflito entre paralisar o tempo com a ilusão de manter a morte à distância e levar em conta a natureza transiente da vida a fim de perceber seu verdadeiro sabor. Podemos envelhecer justapondo os diferentes períodos da nossa vida sem reuni-los, criando assim a ilusão de tempo infinito; ou podemos envelhecer integrando as diversas fases de nossa vida numa narrativa histórica coerente. Essa representação do tempo deixa a porta aberta para vivências que a autora chama de “pequenos segundos de eternidade”. Podemos viver esses momentos quando estamos profundamente emocionados – alegre ou dolorosamente – por algo,
de tal maneira que percebamos outra qualidade de tempo que supere sua dimensão cronológica sem ao mesmo tempo negá-lo. Ajudar as pessoas idosas a identificar esses segundos de eternidade e se apropriar deles pode ser uma experiência inestimável para elas.
Palavras-chave: envelhecer; idosos; tempo; história interna; infinito; “segundo de eternidade”.
O autor discute a utilização do conceito de tropismo, por Bion, na psicanálise. Apresenta uma situação clínica na qual seu emprego como referência conceitual auxilia o trabalho analítico.
Palavras-chave: tropismo; identificação projetiva; vida e morte; experiência emocional; contratransferência.
O presente ensaio analisa os conceitos de rêverie e de holding no interior de suas teorias de origem, afim de discriminá-los um do outro. A partir daí, discute a clínica de esquizofrênicos, tal qual praticada por Bion e Winnicott, evidenciando como esses conceitos-chave definem a função analítica em ambos os autores, impondo diferentes modos de praticar a psicanálise.
Palavras-chave: rêverie; holding; Bion; Winnicott; análise de esquizofrênicos.
Qual o destino da vida analítica criada por analisanda e analista quando só permanece metade da díade? Este ensaio explora a experiência da autora logo após a morte repentina da sua analista. Após vivenciar a perda súbita da analista, a autora perde contato com a parte de si que passara a ter acesso a pensamentos e sentimentos e a partilhá-los com outro ser em especial. N este ensaio, a autora descreve o processo de alteração da sua relação com a pessoa, transferencial e real, da sua analista. Ela se concentra numa série de sonhos, tidos após a morte da analista, que ilustra como, manter e cimentar sua relação com a analista morta, por meio de interiorização, facilitou o retorno da sua voz de analisanda.
A autora explora a confusa variável de iniciar outra relação analítica ainda sob o efeito do final traumático da análise anterior.
Palavras-chave: luto; dor; morte do analista; sonhos; voz do analisando.
A Observação de Bebês, considerada a partir de várias perspectivas, deu forte impulso à compreensão do recém-nascido, inclusive do bebê dentro do ventre de sua mãe, seus desenvolvimentos e possibilidades psíquicas. A título de proposta, sugiro que se considere o compromisso emocional de duas mentes para iniciar e garantir a sobrevivência física e emocional do bebê pré-, peri e pós-natal. O recém-nascido não possui palavras, ele tem a linguagem do corpo para expressar cada movimento emocional que ocorra em sua existência. A função alfa da mãe em compromisso intenso com o seu bebê realiza, através de íntima rêverie, a condução para o mundo humano por meio da transformação
criativa dos elementos beta projetados pelo bebê, em sensações, experiências, e elementos alfa capazes de serem tolerados pelo tempo necessário para que se constituam num exercício de pensamento para o bebê. Mensagens evidentes, como as de Pablo, um bebê prematuro com apenas 20 minutos de vida, aproximam-nos da oportunidade de aceitar o desafio do compromisso emocional que requer o emprego da linguagem do bebê como ato comunicativo e diálogo afetivo. Penso que a função alfa é a função sábia da personalidade, que oferece ao bebê, dentro do útero de sua mãe e fora dele, o espaço emocional no qual possa construir seu universo comunicativo para o desabrochar de seu psiquismo.
Palavras-chave: linguagem; compromisso emocional; relação precoce; desenvolvimento psíquico.
De maneira a apoiar a importância da dimensão intersubjetiva da vida psíquica – referente a uma concepção que integra existência de uma dimensão inconsciente da subjetividade e atravessa a questão da pulsão e do sexual – o autor propõe uma reflexão sobre a dimensão necessariamente mensageira da pulsão e de suas formas de representação. As consequências concretas de tal concepção, assim como a consideração da transferência para o trabalho analítico são aqui exemplificadas por dois
casos clínicos.
Palavras-chave: pulsão; pulsão mensageira; intersubjetividade; representação; transferência.
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