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Volume 45 nº 1 - 2011 | Sublimação

Sumário (Clique nos títulos para acessar editorial ou resumos disponíveis)

A franca e generosa entrevista concedida para a Revista Brasileira de Psicanálise por Arrigo Barnabé, compositor, ligado ao surgimento da vanguarda paulista nos anos 1980, é
uma estimulante porta de entrada ao nosso tema, Sublimação. Vem acompanhada pelos ricos comentários de José Ottoni Outeiral e Sandra Gonzaga e Silva, analistas atentos ao lugar dos processos criativos e sublimatórios no contexto analítico e cultural.
O tema do destino sublimatório da pulsão é retomado há anos por analistas nos trabalhos que aludem à natureza do processo criativo, enquanto a reflexão clínica parece privilegiar os processos de simbolização e pensamento sem uma preocupação em articulá-los com a sublimação. Talvez a dificuldade em tecer uma rede conceitual que articule a teoria pulsional com a das relações de objeto (com algumas exceções como, por exemplo, o notável esforço de André Green) tenha sido responsável pela negligência desta noção que oferece a possibilidade ímpar de um aprofundamento em torno dos objetivos do processo analítico e do trabalho da cultura.
Estaríamos, por efeito de uma certa dissociação entre clínica e cultura, perdendo uma noção central para Freud, retomada em diferentes momentos de sua obra? Caberia
a indagação clínica e metapsicológica em torno do lugar da sublimação nos processos de transformação e mudança psíquica? O humor e a transgressão dos artistas, já nos sinalizara Freud, aparecem como artimanhas que visam driblar o recalque, permitindo o contato com certos conteúdos geradores de angústia. Que relação guardariam com a sublimação e qual seu lugar na nossa clínica? Os textos que ora apresentamos não procuram oferecer respostas, mas algumas pistas para este conjunto de indagações.
Sophie Mijolla-Mellor em “A sublimação e o prazer do pensamento” (especialmente redigido para a Revista Brasileira de Psicanálise) assinala o “caráter insuficiente de uma definição de sublimação que se limitaria a uma dessexualização do objetivo e a uma valorização social do objeto”. O texto percorre os temas do pensamento, dos ideais, do luto e da paixão assim como do humor, resgatando a sublimação como processo central no movimento criativo e reconstrutivo das instâncias ideais constituintes do aparelho psíquico. Instigante e provocadora abertura que nos convida à leitura e a prosseguir com as indagações nos trabalhos seguintes.
Ana Maria Lofredo nos oferece uma minuciosa e comentada análise do conceito na obra de Freud, condição que nos habilita a mergulhar nas aporias inerentes a este conceito
que serão abordadas por N elson da Silva Junior e Jean-Luc Gaspard em “A iatrogênese da sublimação em três tempos da cultura”. Contraponto às visões idealizadas da sublimação, a força da argumentação dos autores encontra embasamento na Segunda Tópica freudiana. Partem do efeito potencializador da sublimação na defusão pulsional, temática que será desdobrada no impacto da pulsão de morte e sua relação com o masoquismo moral e o masoquismo erógeno, este último característico para os autores da cultura ocidental atual. A densidade metapsicológica destes artigos resulta em ferramentas de análise para os cenários apresentados nos trabalhos que os sucedem.
“Minha obra não conta nem narra acontecimentos. N ão relata uma história, não é narrativa nostálgica de acontecimentos passados. Ela assinala a ausência do vivido.” (Salcedo, 2009) (1). Assim, comenta seu trabalho, a artista plástica Doris Salcedo, cuja obra Shibboleth serve de estímulo para o texto de Alejandro Rojas et al. A dimensão concreta
do esgarçamento e do traumático individual e social encontra uma forma na sua arte que demanda um trabalho do observador. Proposição que interroga, convoca e demanda um trabalho psíquico em torno do negativo, da ausência e da ruptura.
As palavras de Salcedo servem de epígrafe não apenas para o trabalho de Alejandro Rojas et al., mas também para as produções de Aida Ungier e Silvana Rea que procuram,
por meio do diálogo entre modelos de apreensão do objeto estético e modelos clínicos, aprofundar a indagação do processo sublimatório como fundamento do diálogo e
comunicação com o outro e consigo mesmo, condição que converge no laço social base da cultura. Metapsicologia, clínica e cultura, matriz do pensamento freudiano, encontramse articuladas na singularidade criativa e reflexiva do conjunto caleidoscópico que estes trabalhos constituem.
O texto de Rodolfo Coelho de Souza, professor livre docente de Teoria Musical e Composição, vem coroar este conjunto ao propor uma correlação entre a linguagem musical
e o processo de formação do sonho, tomando como elemento mediador a teoria semiótica de Peirce. Trata-se de um trabalho que alia conhecimento e heurística construindo uma hipótese que revela os elementos que condicionam a sublimação em termos freudianos.
Integram este número artigos não temáticos de Alda Regina Dorneles de Oliveira et al., Luis Cláudio Figueiredo, Sérgio Bacci Machado, Iara Spada Bondioli de Souza N oto e
Maria Lúcia Ferrão de Sousa Campos que focalizam, com criatividade clínica e consistente reflexão teórica, importantes aspectos presentes na clínica contemporânea.
Por último um destaque especial ao trabalho de Intercâmbio “Ampliar os limites da interpretação em uma clínica aberta para o real”, de autoria de Silvia Bleichmar, psicanalista
argentina falecida em 2007 a quem a Revista Brasileira de Psicanálise presta homenagem. Aliando rigor conceitual e sensibilidade clínica, esta autora dedicou sua extensa obra à clínica psicanalítica com crianças e à reflexão em torno dos fundamentos que a balizam. Sem receio de enfrentar a contrastante diversidade de propostas vigentes, buscou a partir da clínica construir modelos que podem fazer avançar o tratamento de graves distúrbios na infância. Este trabalho, no qual propõe a noção de “simbolizações de transição”, dialoga com as mais atuais propostas no campo da clínica na qual prevalece a ausência de simbolização, campo explorado por Bion, Winnicott, Botella, Roussillon e tantos outros.
Inauguramos assim nosso volume deste ano com a expectativa renovada de oferecer aos nossos leitores uma publicação que desperte a curiosidade e o prazer da leitura em torno a temas de instigante atualidade no campo psicanalítico.
Bernardo Tanis
Editor

(1) Salcedo (2009). Conferência Universidade Jorge Tadeo Lozano, citado neste número no texto “Shibboleth de Doris Salcedo: reflexões sobre a representação do negativo

Diálogo

Comentários da entrevista

O autor faz comentários sobre a entrevista de Arrigo Barnabé tendo em conta o processo criativo.
Palavras-chave: criatividade: processo criativo; espaço potencial.

Partindo das vivas impressões suscitadas pela entrevista com o compositor Arrigo Barnabé, a autora reflete sobre o fazer criativo, destacando o conceito de sublimação e seus desdobramentos no pensamento psicanalítico.
Palavras-chave: sublimação; objeto sublime; estética; ética.

Artigos temáticos: Sublimação

Na psicanálise, a noção de sublimação ocupa uma posição paradoxal: do ponto de vista metapsicológico ela nunca foi totalmente definida por Freud, no entanto ela é indispensável ao edifício teórico tanto do ponto de vista individual como coletivo pois supostamente ela demonstra o investimento libidinal de metas e objetos que não são originários das pulsões. Seu lugar é tão importante quanto o do recalque dado que ela constitui tanto na idade adulta a saída positiva em oposição à neurose, como na infância a alternativa precoce e criativa. Muito discutida do tempo de Freud até hoje, essa noção não conheceu modificações profundas apesar das contribuições sucessivas que puseram em questão certos aspectos ou acrescentaram outros. Mais do que uma noção, é de um conceito organizador que se trata, do mesmo nível que o conceito de Pulsão, em torno do qual gravitam os questionamentos sobre os sentimentos de ternura e de amizade, os laços sociais, a atividade profissional, as realizações artísticas, literárias, científicas, esportivas etc., e o prazer que adultos e crianças sentem ao encarar os enigmas e tentar resolvê-los, o prazer do pensamento. A autora se esforçou para resumir neste texto suas contribuições para pensar essa noção.
Palavras-chave: prazer do pensamento; artimanhas da civilização; mito mágico-sexual; necessidade de saber; trabalho do humor; verdade instinto de dominação.

O texto faz uma breve apresentação das principais obras freudianas que tratam da sublimação e, na perspectiva de abordá-la por meio da ideia de campo da sublimação, anuncia possíveis articulações entre sublimação, angústia e recalque.
Palavras-chave: sublimação; metapsicologia freudiana; angústia; recalque.

A autora procura demonstrar a importância do conceito de sublimação para a clínica e para a praxis psicanalítica. Mais do que a base das expressões estéticas e éticas, a sublimação é o alicerce da subjetividade e do laço social.
Palavras-chave: simbolização; sublimação; subjetivação; sinthoma; cinema.

Argumentando contra a tendência geral dos psicanalistas a idealizarem a sublimação, buscamos demonstrar que essa não era a posição de Freud. Em seu pensamento, a sublimação sempre esteve relacionada à etiologia de patologias do psiquismo. Contudo, as modalidades desta relação são diferentes, e acompanham as profundas mudanças que marcaram seu pensamento sobre a cultura ao longo do tempo. Analisamos dois tipos de iatrogênese da sublimação explicitados por Freud: aquela ligada ao excesso de exigência de sublimação cujo caráter é contingente à cultura, e cujos efeitos seriam as neuroses atuais e as psiconeuroses, e aquela ligada à desfusão pulsional, de caráter necessário, e cujo
efeito seria o masoquismo moral. Concluímos nosso trabalho analisando um terceiro tipo de efeito iatrogênico, ligado ao masoquismo erógeno, e característico da cultura ocidental atual.
Palavras-chave: sublimação; idealização da sublimação; fusão e desfusão pulsional; masoquismo.

Propõe-se um trabalho de psicanálise aplicada no qual se constrói, a partir da obra Shibboleth da artista Doris Salcedo, um olhar sobre a rachadura como a representação da ausência de representação. Articulam-se os efeitos que a obra de arte tem sobre espectador-analista, com elementos próprios da experiência da clínica psicanalítica, e exploram-se os conceitos que podem vincular-se em torno dessa temática.
Palavras-chave: o negativo; psicanálise aplicada; representação; sentido.

Este trabalho busca uma aproximação do pensamento do filósofo Maurice Merleau-Ponty, os conceitos da Teoria dos Campos e certos aspectos da Estética, considerando a relação eu/outro e a noção de forma.
Palavras-chave: artes plásticas; estética; psicanálise.

Interface

Este artigo propõe a hipótese de que certos pressupostos da linguagem do inconsciente condicionam a realização da sublimação freudiana. A partir desse princípio reformula a proposição de Lacan sobre o “inconsciente estruturado como linguagem” revisitando as operações sígnicas do inconsciente através da teoria semiótica de Peirce. Propõe uma correlação do processo onírico com a linguagem musical e no caminho reconhece a identidade funcional entre as teorias do signo de Freud e de Peirce. Estabelece finalmente uma relação entre um estudo de caso de um sonho e a análise de três peças musicais que exemplificam operações lingüísticas inconscientes facilitadoras do processo de sublimação.
Palavras-chave: análise musical; semiótica; sublimação; inconsciente.

Artigos

O relatório Situação Mundial da Infância 2006 da UNICEF – Excluídos e Invisíveis, divulgou a fragilidade a que estão expostas as crianças do planeta. Desejando ampliar a visibilidade desse documento, a produtora Chiara Tilesi, no filme Crianças Invisíveis, reuniu diretores de cinema para apresentarem suas versões sobre o tema. O presente texto resulta das ressonâncias em cada um dos autores ao assistirem Jonathan, de Ridley e Jordan Scott, um dos curtas-metragens que compõem Crianças Invisíveis. Seguindo a cadeia de transformações acionadas pelas imagens de Jonathan — especialmente, pelo modo como é retratado o tormento de um repórter fotográfico quando confrontado com a realidade da guerra — os autores, ao lado de reflexões teóricas e clínicas, ponderam sobre o que representa testemunhar a dor do outro, sobre alguns caminhos possíveis para promover a elaboração dessa terrível tarefa e concluem refletindo sobre as vicissitudes do sofrimento no trabalho do analista com seu paciente.
Palavras-chave: psicanálise e cinema; cesura; capacidade negativa; rêverie; resignificação.

O fazer psicanalítico em suas variedades será o tema deste trabalho. Inicialmente, a situação analisante será objeto de um exame para identificar sua estrutura e dinâmica. Em seguida, serão consideradas algumas especificidades da situação analisante em diferentes condições da prática psicanalítica, para mostrar que em todas as suas variações o manejo da situação analisante é base de tudo o que de mais específico se possa ou deva aí fazer, revelando-se também uma eficácia terapêutica própria ao dispositivo.
Palavras-chave: situação analítica; situação analisante; ação terapêutica; variedades da clínica.

Este trabalho nasceu de uma conversa sobre uma situação clínica. Uma paciente que acabara de tornar-se avó pela primeira vez mostrava-se surpreendida e assustada pelas inesperadas sensações de desconforto e estranhamento que a invadiam. Acompanhando o fio de sua inquietude as autoras fazem uma reflexão sobre as circunstâncias existenciais que envolvem essa transição generacional e sugerem um olhar atento à especificidade desse momento, em que se faz necessário conjugar a continuidade da vida com a proximidade da morte.
Palavras-chave: tornar-se avó; morte; envelhecimento; crise; narcisismo.

Com base nos textos “Neurose e psicose” (Freud, 1924/1996C) e “A perda da realidade na neurose e na psicose” (Freud, 1924/1996e), retomamos o posicionamento de Freud ante as semelhanças e diferenças entre neuroses e psicoses, a fim de circunscrever a concepção de “desvio” a um momento específico da obra desse autor. Questionamos, então, o discurso atual que reputa Freud como adepto do ideal normativo. Para tanto, redesenhamos as principais linhas de força traçadas no texto “Moral sexual civilizada e doença nervosa moderna” (Freud, 1908/1996b) com o objetivo de demonstrar a crítica contundente de Freud à moral social e às concepções adaptacionistas; concepções essas que tomam
a sociedade como dado visível e completo. Por fim, destaca-se o valor do pensamento freudiano para a crítica à normalização social.
Palavras-chave: Freud; normalização; moral.

Intercâmbio

A interpretação analítica é a ferramenta privilegiada para o desvendamento do inconsciente, desde que o recalcamento esteja instalado, as defesas estejam operando na diferenciação dos sistemas psíquicos e as representações-palavra possibilitem a associação livre. N o entanto, quando essas condições falham, como se estabelece a intervenção do analista? A autora procura expor um movimento tendente à produção de novas ferramentas para a prática a partir do questionamento metapsicológico dos enunciados que a regem. É nos resíduos processados e agitados pelos sistemas psíquicos, nas marcas do vivido, na busca de cercar seus vestígios que a psicanálise pode encontrar a materialidade
que lhe compete. Interpretação, intervenções analíticas, o indiciário, simbolizações de transição, metábole são minuciosamente trabalhados. O movimento, mediante o qual restos simbolizáveis ainda não tramitados curto-circuitam constantemente a possibilidade de enriquecimento psíquico e obrigam à reiteração, convoca a autora a propor que é necessário realizar um novo modo de abordagem para lhes dar uma nova dimensão que, na prática, torna-se processo de criação e recomposição. Trata-se de dar lugar a novos modos de funcionamento e de articulação encarnados, do ponto de vista por ela esboçado, como processo de neogênese.
Palavras-chave: método psicanalítico clássico; intervenções analíticas; signos de percepção; índice; simbolização de transição.

Resenhas