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Volume 46 nº 2 - 2012 | Passagens I - entre o moderno e o contemporâneo

Sumário (Clique nos títulos para acessar editorial ou resumos disponíveis)

E desculpem-me por estar tão atrasado dos movimentos artísticos atuais. Sou passadista, confesso. Ninguém pode se libertar duma só vez das teorias-avós que bebeu; e o autor deste livro seria hipócrita si pretendesse representar orientação moderna que ainda não compreende bem.
(Mario de Andrade, Prefácio Interessantíssimo, 1922).

No ano em que o Congresso da Fepal acontece em São Paulo e tem como tema Tradição – Invenção, a Revista Brasileira de Psicanálise propõe, a partir de uma rica reflexão
e pesquisa realizadas pela equipe editorial, um olhar para este hífen, este lugar de trânsito, de passagem, de movimento e de transformação.
Há noventa anos acontecia no Brasil a Semana de Arte Moderna, iniciativa movida pelo questionamento das convenções instituídas nas artes e na cultura, um interrogante sobre as premissas da Modernidade. Junto aos modernistas da Semana de 22, chega ao Brasil a Psicanálise, que desde então teve notório desenvolvimento e expansão em nosso país. Indagamo-nos sobre o impacto do Modernismo nos diferentes campos da cultura e da vida social, e sua ressonância até os dias de hoje. Interrogamo-nos, assim como aos nossos autores convidados, sobre essas transições visíveis e invisíveis, e sobre seu impacto na clínica psicanalítica.
Limiar, passagem, flânerie, sugerem um tempo e um espaço que se prolongam, inacabados como o próprio livro Passagens (Benjamin, 2006). A partir da multiplicidade de citações, fragmentos e referências presentes em Passagens, Walter Benjamin propõe a montagem (1) como estratégia metodológica, que ao retirar os objetos/textos/imagens de seus contextos, possibilita o surgimento de uma nova constelação na qual as noções de temporalidade são transformadas, assim como fica possibilitada a emergência de novos sentidos históricos. Desta forma, tal como na situação psicanalítica, haveria sempre a iminência de outra interpretação. Passagens, entendidas como experiências de regiões limite e de trânsito, é o que constantemente ocorre na vida mental em momentos de transformação, do primário para o secundário, assim como em detalhes sutis do cotidiano, como os instantes de passagem do sonho para a vigília. Em um nível mais amplo, as passagens aparecem nas instituições na questão dos lugares ocupados e na maneira como estas transições se dão.
A riqueza e a complexidade dessas perspectivas e movimentos mobilizou a equipe editorial na concepção de dois números interligados de nossa revista. O primeiro, que aqui
apresentamos, é focado no estreito vínculo que liga a psicanálise ao questionamento dos ideais da Modernidade, ao Modernismo e às vanguardas europeias do início do século XX.
O segundo número, que será lançado no Congresso da FEPAL em outubro de 2012, colocará em perspectiva a ideia do contemporâneo e da clínica atual, dialogando com a proposta curatorial da 30ª Bienal de Artes de São Paulo, Iminência das poéticas, cuja inauguração em setembro de 2012 antecede o Congresso. Seu curador, Luis Peres Oramas, comenta em entrevista concedida à RBP, a ser publicada no próximo número, sintetizando sua proposta para exposição: “A ideia é ver como o presente projeta sua sombra sobre o passado e transforma um legado histórico em elemento da contemporaneidade”. Tal pensamento vai de encontro à concepção de memória freudiana e benjaminiana. Em sua VI tese sobre o conceito de história, Benjamin propõe: “Articular historicamente o passado não significa conhecê-lo ‘tal como ele propriamente foi’. Significa apoderar-se de uma lembrança, tal como ela cintila num instante de perigo” (Benjamim,1940, citado por Gagnebin, 2006).
Paulo Mendes da Rocha, ganhador do Prêmio Pritzker em 2006, na entrevista que abre este número, convida-nos a uma reflexão sobre os estilos arquitetônicos, a vida nas cidades, suas possibilidades e fracassos, os momentos de escolha e a liberdade como matéria prima necessária para o nascimento do gesto criativo. Para Mendes da Rocha, não menos importantes que os conceitos e os modelos são as marcas e traços deixados pelos anos de formação e pelas experiências vividas, que constituem um patrimônio pessoal, fonte da intuição e inspiração. Embora recusando qualquer rótulo que o defina, há vários aspectos e perspectivas em sua fala que aludem à liberdade e ao funcionalismo em seus projetos, elementos que, entre outros, caracterizam uma influência modernista. Ana Paula Terra Machado e Dora Tognolli, colegas psicanalistas, estabelecem, em seus comentários à entrevista, um diálogo que expande com autêntico entusiasmo e fina argumentação as múltiplas aberturas que o espaço associativo do arquiteto oferece.
Mas quais as relações entre Modernismo e Modernidade? Em que medida a psicanálise pode ser entendida como porta voz original do Movimento Modernista que, mesmo sem
desacreditar o projeto emancipatório da Modernidade, coloca em evidência suas fraturas e impasses? Ana Gonçalves Magalhães, pesquisadora do Museu de Arte Contemporânea de São Paulo (MAC), exemplifica em um belíssimo texto a ruptura que as vanguardas do início do Século XX operam com a arte acadêmica que a precede, e sua vinculação com o que veio a ser conhecido como Arte do Inconsciente. Assim como Freud abre, a partir de A interpretação dos sonhos (1900), as portas para o inconsciente, descobrindo a nova gramática do processo primário, os modernistas inauguram uma nova forma discursiva a partir da subversão dos processos convencionais da representação artística. A autora retoma a já clássica crítica de Monteiro Lobato (1917) à exposição de Anita Malfatti em São Paulo, e deste modo nos apresenta ao debate modernista em nosso cenário cultural. Este tema será aprofundado no trabalho de Silvana Rea, que situa o Modernismo em uma perspectiva histórica de ruptura com a tradição acadêmica e naturalista. Convida os leitores a um fino exercício clínico de pensar, de que modo “a rede de olhares que liga Anita a Lobato e Tarsila” é útil para pensar a situação clínica de uma analisanda.
A Modernidade também contém um projeto político emancipatório a partir do qual se desloca o poder do monarca absoluto, ancorado no poder divino, ao indivíduo e às modalidades de contrato social por ele instituídas. Novos desafios surgem no campo sócio-político na busca de formas de exercício do poder, seja no espaço público ou na esfera do encontro do Eu com a alteridade. Como dar conta do mal-estar e do desamparo que se insinuam como decorrência desta nova realidade? Joel Birman, por meio de uma rigorosa discussão da problemática da influência, crença que sustenta o dispositivo da hipnose ou da sugestão, resgata a perspectiva crítica contida no mecanismo da transferência, com o qual Freud inaugura uma nova possibilidade de transformação da subjetividade ao privilegiar o registro da liberdade em contraposição ao da submissão como resposta ao desamparo.
O tema da liberdade, tão caro à psicanálise e aos modernistas, faz-se presente no erudito trabalho de Marcio Seligmann, professor de teoria literária da UNICAMP. Ele discorre,
em seu texto, sobre a reflexão benjaminiana em torno da fotografia. Sustenta que ela inaugura uma nova perspectiva de conceber a imagem, que passa a não ser mais vista como
portadora de uma tradição. Dirá o autor: “na imagem, ao invés do narrado encontramos uma densificação do histórico que o arranca do fluxo da dominação”. A submissão ao trauma, a uma temporalidade estanque, encontra na tese do jogo, como “segunda-técnica” vinculada à ideia do lúdico na experiência, um recurso que emancipa o homem do próprio sacrifício (alusão à técnica massificante e alienante).
Esses textos de abertura, que contextualizam o nascimento da psicanálise como práxis transformadora, levaram a equipe a homenagear os pioneiros da psicanálise no Brasil.
Escolhemos republicar o trabalho de Luiz de Almeida Prado Galvão, publicado no primeiro número da Revista Brasileira de Psicanálise. Este trabalho refere-se à introdução da Psicanálise em São Paulo, a primeira cidade sul-americana a recebê-la. Neste esboço, que o autor traça em linhas gerais, destacam-se as figuras dos pioneiros Durval Marcondes e Adelheid Koch, o primeiro como pioneiro no movimento psicanalítico do país e a segunda como pioneira do ensino da Psicanálise no Brasil e na América Latina. Galvão, em seu delicado ensaio, assinala o nascimento bifronte da tradição psicanalítica em solo brasileiro, encarnado na figura emblemática de Durval Marcondes, vinculado por um lado ao Modernismo no campo da estética e das artes, e por outro à psiquiatria. Os desdobramentos e novos pontos de irradiação da psicanálise no Brasil serão os temas abordados nos trabalhos de dois convidados, Claudio Eizerik, primeiro Presidente brasileiro da IPA, e Gleda Araujo Brandão, atual presidente da FEBRAPSI. Como marcas identificatórias da psicanálise em nosso país, Eizerik destaca a mestiçagem e o pluralismo teórico que se amplia e se desenvolve no por vezes doloroso exercício de aprender a escutar a voz alheia. Já Brandão descreve ricamente o processo iniciado há algumas décadas de interiorização da psicanálise, em um movimento da expansão das fronteiras para além das grandes capitais e centros litorâneos. Testemunho da riqueza e força deste processo será a realização em Campo Grande do Congresso Brasileiro de Psicanálise, cujo tema será “Ser contemporâneo: medo e paixão”.
Encerra-se esse eixo temático com o instigante trabalho de Denise Salomão Goldfajn que, olhando para o futuro, indaga o presente da formação psicanalítica, as nossas instituições, a conflitiva edípica/institucional, as fantasias e paradoxos contidos no lugar dos membros filiados aos institutos. Tradição-invenção, o novo e o antigo, manutenção ou ruptura, são entendidos como mais do que simples pares de opostos. Denise nos convida a examinar sem preconceitos esses paradoxos envolvidos na vida institucional, as questões de poder e de gerações que influenciam, sem lugar à dúvida, os destinos futuros de nossa disciplina. Como horizonte ainda incerto, aparecem as novas formações no leste europeu e na Ásia, nos quais analistas formam-se sem serem vinculados a Sociedades, mas como membros autônomos da IPA. Um novo destino?
Publicamos, na seção de Intercâmbio, um recente e inédito no Brasil trabalho de Thomas H. Ogden, considerado por muitos um dos autores mais criativos no cenário psicanalítico atual. Em seu trabalho, sustenta a ideia de que houve uma mudança de ênfase na psicanálise contemporânea, passando do foco no conteúdo simbólico do sonho, do brincar e das associações para os processos que lhes dão origem. Assim, discute neste texto três formas de pensar, ricamente ilustradas com material clínico: pensamento mágico, pensamento onírico e pensamento transformativo.

Destacamos também, fora do eixo temático, os instigantes artigos de Luiz Carlos Uchôa Junqueira Filho, autor que explora com rigor e sutileza o vazio e a negatividade que atuam como fatores decisivos no estado de “mudança catastrófica” descrito por Bion. Ignácio Alves Paim Filho apresenta-nos um rigoroso estudo em torno da metapsicologia da pulsão de morte. Por fim, apresentamos também o trabalho de Vera L. C. Lamanno-Adamo, que propõe, a partir de situação clínica, a ideia de que a elaboração da situação edípica pode se constituir como núcleo organizador de pensamento complexo, como formulado por Edgar Morin.
Não deixem de consultar nossas seções de Resenhas e Lançamentos. Garimpamos para nossos leitores o que há de novo e interessante no cenário das publicações psicanalíticas.
Concluo este editorial com as palavras de Ogden, que sinalizam muito apropriadamente o caminho aberto pelos modernistas e pelo pensamento freudiano: “É esta luta por
pensamentos transformadores que faz da psicanálise uma atividade subversiva, uma atividade que solapa inerentemente a gestalt (os termos silenciosos que se auto-definem) das culturas sociais, interpessoais e intrapsíquicas em que paciente e analista vivem”.
Boa leitura!
Bernardo Tanis
Editor

Referências
Andrade, M. de. (1922). Prefácio interessantíssimo. In M. de Andrade, Pauliceia desvairada. São Paulo: Casa Mayença. (Edição fac-símile).
Benjamin, W. (2006). Passagens. (W. Bolle, org. ed. brasileira; Rolf Tiedemann, ed. alemã). Belo Horizonte: Editora UFMG; São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo.
Freud, S. (1976). A interpretação dos sonhos. In S. Freud, Edição standard brasileira das obras completas de S. Freud. (Vol. 4). Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1900).
Gagnebin, J. M. (2006). Verdade e memória do passado. In J. M. Gagnebim, Lembrar escrever esquecer (pp.39-47). São Paulo: 34.
Lobato, M. (1917, 20 de dezembro). A propósito da exposição Malfatti. O Estado de São Paulo.

 

(1) O recurso da montagem como metodologia epistemológica de investigação implica para W. Benjamim uma nova abordagem da história que se contrapõe ao historicismo linear.

 

Diálogo

Comentários sobre a entrevista

Este texto é um comentário sobre a entrevista com o arquiteto Paulo Mendes da Rocha. Destaca o processo criativo do entrevistado, incluindo suas memórias. Aborda também os aspectos relacionados com a psicanálise, considerando a tradição e a invenção.
Palavras-chave: processo criativo, tradição, invenção.

A partir da entrevista realizada com Paulo Mendes da Rocha, a autora localiza em sua narrativa conceitos operantes, que apontam para uma práxis que interfere na natureza, no humano, na história. Destaca o desafio transgressor vivo que o entrevistado revela em seu discurso e em seus projetos, apontando para um caminho transformador que a arquitetura e a psicanálise podem trilhar.
Palavras-chave: memória, projeto, cidade, tradição, invenção, transgressão.

Artigos temáticos: Passagens i – entre o moderno e o contemporâneo

A intenção deste ensaio é demonstrar a inscrição do discurso freudiano na tradição do modernismo, mediante a crítica que realizou do dispositivo da hipnose e a constituição do dispositivo da transferência.
Palavras-chave: modernismo, influência, transferência.

O presente trabalho refere-se à introdução da Psicanálise em São Paulo, a primeira cidade sul-americana a recebê-la. Neste esboço que tracei em grandes linhas, coloquei em primeiro plano as figuras dos pioneiros da Psicanálise no Brasil: Durval Marcondes e Adelheid Koch. Ambos terão seus nomes indelevelmente gravados na história da Psicanálise brasileira, o primeiro como pioneiro no movimento psicanalítico do país, a segunda como pioneira do ensino da Psicanálise entre nós e na América Latina.
Palavras-chave: história da psicanálise, pioneiros, Adelheid Koch, Franco da Rocha, Durval Marcondes.

O autor comenta e reflete sobre as relações entre alguns fatos fundadores do movimento psicanalítico brasileiro, suas possíveis relações com aspectos da introdução do modernismo no país e suas repercussões nas marcas identificatórias da psicanálise no Brasil.
Palavras-chave: psicanálise no Brasil, precursores, modernismo, marcas identificatórias, história.

Neste trabalho, a autora estabelece algumas correlações entre a psicanálise, um produto da cultura, nascida no final do século XIX em Viena, uma cidade cosmopolita e efervescente, e o processo de difusão desse conhecimento no interior do Brasil, tendo como modelo a experiência da chegada da psicanálise em Campo Grande, cidade cravada no Centro-Oeste do Brasil, com forte tradição agropecuária e geograficamente distante dos grandes centros culturais. Destaca a influência da cultura da modernidade e os desafios que ela traz ao movimento psicanalítico e salienta o papel da política de expansão da Febrapsi no desenvolvimento e difusão da psicanálise no Brasil.
Palavras-chave: psicanálise, movimento psicanalítico, história da psicanálise, cultura.

Partindo da vinheta sobre uma discussão entre candidatos e psicanalistas em um instituto de psicanálise, a autora usa um conto de fadas para traçar paralelos relacionando fantasias inconscientes que provocam conflitos entre candidatos e analistas, dificultando a transmissão da psicanálise por provocar uma dicotomia. Em contrapartida à dicotomia apresentada, a autora propõe o paradoxo: tradicional/revolucionário, anacrônico/moderno e aponta novos desenvolvimentos aos modelos de formação do psicanalista, que surgem a partir da demanda por psicanálise em mercados globais recentes: Ásia, Leste Europeu, America Central e África.
Palavras-chave: fantasias inconscientes, transmissão, paradoxo, cultura, globalização.

A partir de um caso clínico, os movimentos associativos da autora dirigem-se à artista plástica Anita Malfatti, precursora do modernismo brasileiro, e às suas relações com Monteiro Lobato e Tarsila do Amaral.
Palavras-chave: Anita Malfatti, anorexia, arte moderna, modernismo, psicanálise.

Interface

O texto apresenta a teoria da fotografia de Walter Benjamin mostrando a sua relação com as teorias da fotografia de sua época assim como sua articulação com os conceitos benjaminianos de “dialética na imobilidade” e de “imagem dialética”. A sua filosofia da história é interpretada também a partir de sua ideia de que o passado deixou nos textos imagens que precisam ser reveladas por cada agora. Por fim, o ensaio analisa o conceito de “segunda técnica” que Benjamin desenvolve na segunda versão de seu trabalho sobre a obra de arte, no qual a técnica é vista como aliada ao jogo e como um meio de emancipação.
Palavras-chave: fotografia, imagem dialética, segunda técnica.

A partir de alguns exemplos pontuais, este artigo procura dar um panorama das relações entre arte moderna e psicanálise, comparando a situação europeia dos anos vanguardistas com o momento de instauração do debate sobre a arte moderna no Brasil – com a exposição de Anita Malfatti, em 1917, que arregimentou os críticos do modernismo e levou à realização da Semana de Arte Moderna, em 1922. No caso Anita/Monteiro Lobato, em que Monteiro Lobato ataca a exposição de Malfatti, pontuou-se o uso
de termos da psicanálise em voga na crítica de arte internacional. Finalmente, apontamos para o fato de que a linguagem plástica vanguardista esteve, desde seus primórdios, associada à arte do chamado inconsciente, o que significou seu aspecto revolucionário no início, sua condenação pelos regimes totalitários da Europa do entreguerras e sua redenção após a Segunda Guerra Mundial.
Palavras-chave: arte moderna, vanguarda, arte do inconsciente, modernismo brasileiro.

Artigos

O artigo procura explorar de que forma o vazio e a negatividade funcionam como fatores no estado de “mudança catastrófica” descrito por Bion. Esse é um estado polivalente, pois, como dizia Bion, tanto pode representar um colapso quanto uma erupção ou desobstrução. O vazio, o lugar onde o objeto estava, desafia o psiquismo a modificar a frustração (por intermédio do pensamento) ou a evadir-se dela (mediante a evacuação da dor psíquica): mas o vazio (no-thing) deve ser diferenciado do nada (nothing). A negatividade foi amplamente empregada por Bion na elucidação de estados de não pensar, seja ao usar uma linguagem do desdizer, ao estudar a negação dos elementos de psicanálise, ou
a imaginar uma grade negativa. As ideias de Bion podem ser aprofundadas mediante um resgate das formulações pioneiras de Hegel e mediante a contribuição de André Green sobre o trabalho do negativo. Quatro fragmentos clínicos procuram ilustrar a conjunção constante entre vazio, negatividade e mudança catastrófica.
Palavras-chave: vazio, negatividade, mudança catastrófica, apagamento, linguagem apofática.

O texto tem como proposta repensar os noventa anos de história do Além do princípio do prazer (Freud, 1920). A partir dele, o autor se propõe a fazer uma montagem que produza sustentação a uma metapsicologia da pulsão de morte. Para realizar tal meta tomará como balizadores da sua proposição os seguintes trabalhos: O estranho (1919), O problema econômico do masoquismo (1924), A negativa (1925) e o Mal-estar na cultura (1930). Fazendo um recorte e alinhavando esses textos, discorre sobre os caminhos e descaminhos da metapsicologia da pulsão de morte, do tanático ao criativo, vindo a interrogar-se sobre as origens do aparato psíquico. Nesse sentido, dedica-se a uma
leitura pontual sobre o masoquismo (1924), conjectura a pertinência de pensarmos a existência de um masoquismo primário não erógeno. A importância dele estaria vinculada aos enlaces e desenlaces das inscrições psíquicas que remetem ao que está além do princípio do prazer. Diante desse cenário, propõe pensar os destinos desse masoquismo primário não erógeno: do traumático, não passível de transformação (irrepresentável), ao masoquismo primário e erógeno (representável).
Palavras-chave: masoquismo primário, pulsão de morte, não erógeno, criação.

Neste texto, a autora argumenta que a elaboração da situação edípica, cuja característica é promover fantasias e experiências decorrentes da percepção de um par criativo, constitui o núcleo de um princípio organizador de pensamentos e ações complexas.
Palavras-chave: complexo de Édipo, ataque aos vínculos, pensamento complexo.

Intercâmbio

O autor acredita que a ênfase da psicanálise contemporânea mudou da compreensão do significado simbólico dos sonhos, do brincar, e das associações para o estudo dos processos de pensar, sonhar e brincar. Este artigo comenta a sua concepção de três formas de pensar – o pensamento mágico, o pensamento onírico e o pensamento transformativo – e fornece ilustrações clínicas em que cada uma dessas formas de pensar manifesta-se claramente. O autor vê o pensamento mágico como uma forma de pensar que subverte o pensamento genuíno e o crescimento psicológico, pois substitui uma realidade externa perturbadora por uma realidade psíquica inventada. Em contrapartida, o pensamento onírico – a nossa forma de pensar mais profunda – consiste em ver uma experiência emocional a partir de múltiplas perspectivas ao mesmo tempo, como, por exemplo, a dos processos primário e secundário de pensamento. O pensamento transformativo, por sua vez, cria um novo modo de ordenar as experiências que permite gerar tipos de sentimentos, formas de relações de objeto, e qualidade de ser na vida antes inimagináveis.
Palavras-chave: formas de pensar, pensamento mágico, fantasia de onipotência, pensamento onírico, sonhar, pensamento transformativo.

Resenhas