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Volume 51 nº 2 - 2017 | Famílias

Sumário (Clique nos títulos para acessar editorial ou resumos disponíveis)

Uma revista científica não pode ser inteiramente fiel à instituição onde é publicada. Sua fidelidade deve ser à ciência que representa. Em outras palavras, o periódico deve ser porta-voz de sua missão, e não da instituição. Para isso, o editor precisa se voltar para o mundo.

(Manoel T. Berlinck)

Caros leitores e colaboradores,

Este número marca a passagem de Silvana Rea e sua equipe para uma nova gestão editorial. À Silvana e sua equipe, os nossos mais sinceros agradecimentos pela transição e companheirismo neste momento de virada. Ao presidente da SBPSP, Bernardo Tanis, somos gratos pela oportunidade e confiança, e esperamos fazer jus a seu legado como antigo editor da Revista Brasileira de Psicanálise. Estamos cientes da seriedade e responsabilidade de assumir tal função, e da permanente construção que uma publicação do porte da RBP exige do editor e sua equipe.

Agradecemos o apoio do presidente da Febrapsi, Daniel Delouya, da diretoria e dos funcionários, que tão bem nos acolheram. Tivemos um importante suporte da Assembleia de Delegados, o que para nós foi uma honra e, sem dúvida, um começo promissor para a nossa gestão.

Vale lembrar o esclarecimento do escritor e poeta uruguaio Hugo Achugar sobre a importância das revistas na vida científica:

Eu reivindico mais a revista, insisto e já disse, do que o livro, porque tem a produ- ção agora. O livro sempre é como se fosse post facto e chega a você com anos de atraso. A vida em si mesma é a revista … ou seja, a revista é fundamental quando está aberta, quando existem possibilidades de debate. Há revistas que mudaram a história das disciplinas e do pensamento, porque conseguiram, por conta de seus dossiês, pela conjugação de artigos e pela mostra do debate, inclusive ilustrando-o ou registrando-o, abrir os problemas. (2012, p. 101)

De fato, revistar, dar vistas aos problemas e questões do presente, parece ser a importância primeira de uma revista. Entretanto, certas revistas vão além – e, em nosso entender, a rbp vai além.

Ora, a criação de uma revista é a marca de uma geração e de seu projeto intelectual, artístico ou científico. Toda revista, em especial aquelas que têm longa duração, gera um espaço de sociabilidade intelectual ao redor do qual se organizam intercâmbios e enfrentamentos. A rbp, sem dúvida, representa o patrimônio histórico, intelectual e científico de algumas gerações da psicaná- lise no Brasil, vinculadas à IPA.

É fundamental não nos esquecermos de nossas conquistas. Não podemos menosprezar o fato de termos uma revista científica com 50 anos de existência, um feito notório quando pensamos em nosso país, este que ainda luta por estabilidade e continuidade de suas instituições democráticas. A RBP é um patrimônio que construímos e mantemos com afinco, cuja função foi bem definida no regulamento da Febrapsi firmado em 1974, no artigo 44, § 1.º:

Difundir a psicanálise brasileira em sua expressão de melhor qualidade; manter o meio psicanalítico brasileiro informado da produção editorial atual, da produção internacional e, em particular, da latino-americana; lutar por espaços editoriais para a produção brasileira nas diversas instâncias internacionais.

Projeto editorial

A nova equipe editorial é composta pelos colegas: Oswaldo Ferreira Leite Netto (editor associado), Abigail Betbedé, Berta Hoffmann Azevedo, Cláudia Amaral Mello Suannes, Denise Salomão Goldfajn, Gustavo Gil Alarcão, Leda Maria Codeço Barone, Maria do Carmo Meirelles Davids do Amaral, Patrícia Vianna Getlinger, Sonia Soicher Terepins, Suzana Kiefer Kruchin e Tiago da Silva Porto.

Assim como nas gestões Tanis e Rea, a nossa proposta é manter a vocação pluralista, tendo a clínica como fio condutor para o desenvolvimento de conceitos, teorias psicanalíticas e produção de conhecimento.

A tradição e a inovação são faces do mesmo movimento que se opõem. Cada editoria faz sua própria ocupação (Besetzung). “Ocuparemos outro espaço; mesmo que os propósitos ainda sejam os mesmos, a releitura é sempre singular” (Massi, 2013, p. 12).

Neste projeto editorial, temos o compromisso de inovar, de acrescentar um aspecto interrogante, capaz de sacudir certas verdades defensivas para beneficiar um espaço de liberdade de pensamento e ideias criativas.

Para ilustrar, tomemos a cartografia da prática clínica em psicanálise. Qual clínica vamos considerar como fio condutor? Nesta gestão, para além da clínica privada, a clínica extensa também será considerada um fio condutor que impulsiona uma produção psicanalítica suficientemente livre para criar um patrimônio próprio, advindo também de trabalhos inusitados e inovadores.

Fernando Urribarri, em seu artigo “Como ser um psicanalista contemporâneo?”, nos conta que André Green, na abertura de um congresso na sede da Unesco em Paris, no ano 2000,

afirmou que existia uma grande oportunidade para a renovação, se reconhecêssemos que o “reinado do divã” tinha acabado. Disse que o divã – isto é, o dispositivo clássico – tinha reinado por quase 100 anos e devia agora dividir seu território com a poltrona, ou seja, com o dispositivo face a face.

Hoje, segundo Urribarri, “trabalhamos quase que 50% do tempo (ou mais) com enquadres modificados” (2015, p. 244).

Gostaríamos, portanto, de reafirmar que nosso projeto editorial deseja uma revista viva, implicada com o seu tempo, alinhada com questões emergentes de nossa época, sensível aos pensamentos de vanguarda na psicanálise e na ciência, seguindo o papel de resistência e ousadia que tem sido a marca da trajetória da psicanálise.

Para tanto, abrimos o espaço editorial para novas seções, como “História da psicanálise” e “Projetos e pesquisas”, já presentes neste número, e outras ainda por vir, como “Investigação clínica” e “Grupo e instituições”. Acreditamos que toda publicação se dirige a um grupo de leitores, mas também se arrisca a construir seus leitores. Tendo isso em mente, as novas seções contemplam essa expectativa de criar espaços potenciais de novos autores e leitores.

Algumas considerações de ordem prática sobre as gostaríamos de atualizar nossos colegas e leitores. Fizemos pequenas alterações no projeto gráfico, respeitando a linha original inaugurada na gestão de Leopold Nosek e mantida por seus sucessores, uma marca da elegância e da identidade visual da rbp nessa última década. As modificações foram no sentido de confortar o leitor, facilitar a leitura e possibilitar o uso do papel para anotações de seus quais estudos. A ideia é que a revista possa ser científica, um lugar de estudo, mas despertando um agradável contato.

Pretendemos reforçar a divulgação da revista para além da Febrapsi, em universidades, em cidades do interior, e para isso criamos um mailing 1 próprio e uma página no Facebook, que passou a funcionar em junho de 2017. Esperamos criar uma edição on-line em inglês voltada para a propagação internacional do pensamento psicanalítico brasileiro.

Privilegiaremos uma comunicação estreita com os membros da Febrapsi com o intuito de incentivar a publicação e difusão da nossa produção psicanalí- tica. Incentivaremos lançamentos de novos números nas sedes das Sociedades federadas através dos editores regionais, para que a revista estimule e faça parte de atividades científicas nas diversas regiões do país.

Sonhamos com a RBP mais brasileira. Por isso, pedimos o apoio dos editores regionais, das Sociedades federadas e dos Núcleos de Estudo para transmitirem a seus membros e membros filiados a importância desta revista como um patrimônio em nossa vida institucional, assim como no campo psicanalítico nacional e internacional. São 50 anos de cultura psicanalítica num país que valoriza pouco sua criação e produção.

Permaneceremos abertos aos autores que não fazem parte da Febrapsi, reafirmando o caráter democrático e colaborativo na divulgação da produção psicanalítica. Contamos com a colaboração de todos vocês.

Estão todos convidados a percorrer o número Famílias e observar um projeto editorial em andamento. Sobre os artigos deste número, contamos que o leitor tire proveito. Boa leitura!

Referências

Achugar, H. (2012). Balbucio teórico e discurso fragmentário [Entrevista com Marta Labraga & Laura Verissimo]. Calibán, 10(1), 90-104.

Massi, M. (2013). Editorial. Jornal de Psicanálise, 46(84), 11-15.

Urribarri, F. (2015). Como ser um psicanalista contemporâneo? Da extensão do campo clínico à interiorização do enquadre. Revista Brasileira de Psicanálise, 49(1), 229-248.

Marina Massi

Editora

marinamassieditora@rbp.org.br

1 Agradecemos à colega Telma Weiss pela enorme ajuda na montagem do nosso RBPCORREIO.

Famílias

Ao se interrogar sobre o dispositivo das consultas familiares psicanalíticas e das consultas familiares por ocasião dos pedidos de atendimento para os filhos, o autor propõe que se considere que a problemática da capacidade de estar só na presença do casal é o organizador privilegiado dessa situação. Isso o leva a retomar a função do objeto-casal e de sua representação interna na organização pulsional da sexualidade infantil como uma saída para os impasses e paradoxos da crise edipiana. Assim, a fantasia da cena primária  encontra uma de suas correspondências no quotidiano da vida familiar. Por fim, o autor situa a capacidade de estar só na presença do casal no interior de uma série de experiências intermediárias nas quais se pode pôr em ação a distinção percepção/representação, tão essencial ao funcionamento psíquico.

Palavras-chave: consulta familiar, constelação e estratégia edipiana, fantasia da cena primária, capacidade de estar só

Neste artigo com formato de perguntas e respostas, os autores se propõem a estudar os bem-estares e mal-estares do amor no vínculo que se estabelece no casal moderno. Devido à complexidade do tema, inicialmente fazem considerações gerais a respeito de sua concepção de vínculo, do casal moderno e do amor, noções que consideram necessárias para abordar o tema proposto.
Palavras-chave: casal, vínculo, mal-estar, psicanálise vincular

Em linhas gerais, discute-se a abordagem do trabalho psicanalítico com os vínculos de família e casal como incluída no campo teórico-clínico da psicanálise, mas também como tendo sua especificidade (de formação inclusive), advinda da teoria dos vínculos. São feitas reflexões a respeito do uso da interpretação nas psicodinâmicas vinculares disfuncionais, e mesmo desobjetalizantes, vistas como expressões – e, com frequência, depositárias – do mal-estar social atual.
Palavras-chave: teoria dos vínculos, realidade psíquica vincular, relação dialética intrassubjetiva/intersubjetiva, escuta vincular

Este artigo propõe uma reflexão a respeito da escassa atenção teórica da psicanálise de casal e família sobre a temática da sexualidade conjugal, escassez essa que está implicada na menor possibilidade de escuta clínica desses casos. Após mencionar alguns autores que se debruçaram sobre essa questão, e a título de exemplificá-la, fragmentos clínicos são apresentados, referentes a um tipo específico de dificuldade sexual conjugal – a periodicidade dos encontros sexuais na relação de casal.
Palavras-chave: psicanálise de casal, sexualidade conjugal, escuta

A autora apresenta os caminhos que podem conduzir às heranças transgeracionais no seio de muitas famílias a partir de traumas, segredos, vergonhas, lutos não elaborados, quando, através do silêncio e da cisão, usados como defesas, resultam na formação de criptas e fantasmas. Também apresenta as ideias de transmissão intergeracional e transgeracional.
Palavras-chave: cripta, fantasma, intergeracionalidade, transgeracionalidade, trauma

As sociedades contemporâneas, principalmente no Ocidente, atravessam importantes mudanças referentes às normativas que regem a organização dos laços sociais, mudanças que se expressam no que a autora denomina subjetividades em transição. Distintos tipos de família se fazem presentes: monoparentais, reconstituídas e/ou constituídas por casais que adotam outras expressões de sexualidade e gênero, que não pertencem às legalidades vigentes. Seus efeitos nas parentalidades contemporâneas são abordados. Considera-se o efeito das biotecnologias através de diferentes variantes de fertilização assistida, especialmente quando são incluídos um terceiro e outros elementos alheios com seus eventuais efeitos. Reflete-se também sobre os efeitos da ciber/tecnocultura na produção de subjetividade, nesse espaço gerado entre o humano e a máquina. Propõe-se distinguir entre os conceitos de diversidade e diferença e revisar os dispositivos, subjetivos e intersubjetivos, que geram diferença simbólica e que implicam o reconhecimento da alteridade. Sugere-se que se excedam os limites do pensamento binário em prol de um pensamento triádico. A autora revisa as noções de desejo de filho e função paterna à luz das parentalidades contemporâneas, convencionais ou não, e sustenta que a categoria diferença num sentido ampliado pode estar incluída no psiquismo dos pais, muito além de sua orientação sexual.
Palavras-chave: parentalidades contemporâneas, desejo de filho, função paterna, biotecnocultura, ciborgue, diversidade e diferença

Famílias em que um dos membros do casal é uma pessoa trans (transexual, travesti ou transgênero) lançam novos desafios à teoria e à prática da psicanálise. Refletimos acerca de algumas questões que essa diferente configuração familiar traz, como a da definição de o que é uma família para a psicanálise e para os seus praticantes, ou sobre a existência de um compromisso ético e político de ajudar a família a sustentar a resistência às normas dominantes. Também sugerimos que o analista deve estar culturalmente preparado para encarar esses desafios, conhecendo os campos adjacentes à psicanálise que podem apoiá-lo nessa empreitada. Apresentamos conceitos e perspectivas de trabalho que podem auxiliar na abordagem dessas famílias, seja com as crianças, seja com os adultos: os conceitos de romance familiar e de cena primária e o questionamento de o que é parentesco e parentalidade. Por último, abordamos uma situação clínica que permite refletir sobre as nossas propostas.
Palavras-chave: família, homoparentalidade, transexualidade, parentalidade trans

Diálogo

Em duas cartas dirigidas à irmã no outono de 1921, Kafka, opinando sobre a educação de seu sobrinho de 10 anos e inspirado em suas leituras das Viagens de Gulliver, de Swift, desenvolve sua concepção de família. De acordo com Swift, a família é o resultado da ação de uma lei da natureza, a fim de dar continuidade e perpetuar a espécie. Isso permite a Kafka apresentá-la como um organismo animal regido por um amor irracional. Seus meios educativos são, segundo ele, a tirania e a escravidão, em todas as suas gradações. Por isso, ele opina à irmã que, entre todos os seres humanos, é aos pais a quem menos se deve confiar a educação dos filhos.
Palavras-chave: Kafka, cartas, família, educação dos filhos

partir de duas cartas de Kafka à sua irmã, tecem-se comentários a respeito da concepção de família que tinha o escritor, que via nesta uma fonte originária de violência. Situa-se a origem dessa concepção na própria experiência de vida familiar de Kafka e em suas reflexões a partir da literatura.
Palavras-chave: Franz Kafka, família, educação

Interfaces

cultura da parentalidade é um tema muito importante no século xxi, tanto no plano social quanto no plano clínico. Examinaremos a questão do ponto de vista da clínica transcultural, que associa de forma complementar antropologia e psicanálise. Iremos analisá-la durante a gravidez e no estabelecimento das interações precoces pais-filhos com a ajuda de vinhetas clínicas. Estudaremos também as implicações para a segunda geração de crianças nascidas na França nas famílias de migrantes, particularmente em relação ao saber e ao mundo exterior. Mostraremos a importância da contratransferência cultural íntima e política, que relega o outro a uma posição inferior, negando suas competências, seus desejos e sua singularidade.
Palavras-chave: parentalidade, clínica transcultural, contratransferência cultural, filhos de imigrantes, relação com o saber

Outras palavras

A partir de uma comparação proposta por Robert Hinshelwood entre conceitos formulados por Bion e Winnicott, sugiro que as divergências apontadas pelo analista inglês devem-se à presença, nesses dois psicanalistas, de duas matrizes distintas de adoecimento psíquico: a matriz freudo-kleiniana domina o pensamento de Bion, e, embora presente, não é nem exclusiva nem dominante em Winnicott e Balint. Nestes há uma forte presença da matriz ferencziana na compreensão dos processos de adoecimento. O texto, aceitando uma sugestão de André Green, procura caracterizar as duas matrizes e mostrar que a matriz ferencziana cria uma linhagem clínica que subjaz aos pensamentos de Balint e Winnicott. Ainda que ela suplemente a matriz freudo-kleiniana sem substituí-la, abre um novo horizonte para pensar a psicopatologia.
Palavras-chave: Winnicott, Balint, Bion, adoecimento psíquico, matriz freudo-kleiniana, matriz ferencziana

O autor registra, neste trabalho, uma mudança observada em sua prática nos últimos 15 anos, que consiste em um número crescente de pacientes que apresentam em comum a falta de uma definição dos seus sintomas e pouca ou nenhuma reflexão subjetiva sobre o seu sofrimento. Em sua maioria, são profissionais que auferem ganhos significativos e que, em função do seu trabalho, passam a maior parte do tempo em trânsito, exigindo adaptações técnicas para que seus tratamentos possam ser mantidos. Além de caracterizar o grupo de pacientes abordado neste estudo, o autor descreve o quadro clínico, tece considerações sobre os aspectos teóricos e técnicos, apresenta um caso clínico típico e finaliza o trabalho com questionamentos sobre a(s) causa(s) dessa mudança que desafia a psicanálise contemporânea.
Palavras-chave: clínica psicanalítica contemporânea, metapsicologia contemporânea, técnica psicanalítica, setting interno

Propõe-se, neste artigo, a discussão de algumas possibilidades de tradução da vivência de abuso sexual incestuoso a partir da análise da autobiografia
L’ amore di papà: una storia vera, escrita e publicada por Pola Kinski, que vivenciou abusos sexuais cometidos pelo pai, o ator Klaus Kinski, desde a infância até a juventude. Trata-se de um estudo que se insere em uma pesquisa maior, cujo objetivo é examinar o trauma e a neurose traumática depois de Freud, sob a perspectiva teórica da teoria da sedução generalizada de Laplanche. Com base nos pressupostos dessa teoria, são discutidas as características das mensagens veiculadas em uma situação de abuso sexual incestuoso, assim como as possibilidades de tradução/recalcamento dos enigmas associados a essas mensagens. A análise da narrativa permite pensar possíveis destinos para o excesso do pulsional desligado que invade o psiquismo na situação traumática, cuja tradução nunca é completa.
Palavras-chave: psicanálise, teoria da sedução generalizada, abuso sexual, incesto, trauma

História da psicanálise

Freud nunca foi tão estudado quanto hoje, talvez porque, quando a criação e a teoria estão em crise, o trabalho da história começa. Será questionada aqui a linha de fratura entre a história e a memória, que atravessa a psicanálise desde sua origem. Freud pensava que a psicanálise podia se aplicar a todas as áreas do saber, e é por isso que não há nele ideias históricas como tais. A história da psicanálise foi inicialmente escrita por Ernest Jones, discípulo de Freud, uma história oficial, baseada em um princípio biográfico, no centro da qual o pai fundador é apresentado como o iniciador único de uma descoberta do inconsciente, em ruptura com o pensamento de seu tempo. Em seguida, sob o impulso da historiografia científica, a psicanálise foi recolocada na perenidade da história das medicinas da alma. Por outro lado, no decorrer do século xx e ainda hoje, a psicanálise, sua história e sua memória são objeto de discussões, especialmente a respeito de Kurt Eissler, psicanalista vienense que emigrou para os Estados Unidos e que foi o primeiro a constituir um vasto lugar de memória para o movimento psicanalítico: os famosos Arquivos Freud, depositados na Biblioteca do Congresso, em Washington. Mais tarde, veio uma época de revisionismo, inicialmente saudável, quando se questionava a hagiografia dominante, depois exacerbado, tanto no mundo anglófono quanto na França. Veremos como se opuseram a lenda negra e a lenda dourada, entre a fantasia de um saber absoluto baseado no culto do arquivo e um delírio interpretativo que não quer saber de nada. Entre história e memória, questionaremos
a articulação entre uma história da teoria do inconsciente, a história do próprio
Freud e, finalmente, a história da psicanálise como terapêutica.
Palavras-chave: história da psicanálise, psicobiografia, judaísmo, biografia de Sigmund
Freud, Luzes

Projetos e pesquisas

Este artigo descreve o desenvolvimento do projeto Pensamento Psicanalítico Latino-Americano, destinado a investigar os percursos e a difusão do pensamento psicanalítico na América Latina a partir da produção de seus próprios pensadores. Com apoio da Federação Psicanalítica Latino-Americana, o projeto criou diferentes atividades descritas no artigo. Entre elas, a edição de uma coleção de artigos destinada a divulgar obras de psicanalistas latino-americanos, dispositivos de pesquisa denominados ppl-lab e a organização de uma plataforma digital, ppl-web, que estará disponível em breve.
Palavras-chave: psicanálise, psicanálise latino-americana, pensamento psicanalítico, dispositivos de pesquisa, plataforma digital