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Volume 45 nº 4 - 2011 | Corpo

Sumário (Clique nos títulos para acessar editorial ou resumos disponíveis)

Existem temas aos quais é bom retornar de tempos em tempos. São inesgotáveis, nos interrogam permanentemente como seres humanos e, especificamente, como psicanalistas. O “Corpo”, objeto deste último número de 2011, é um deles. O corpo hoje está em evidência. Talvez o filme de Pedro Almodóvar (2011) A pele que habito aponte para um dos possíveis crivos para decifrar a relação contemporânea com o corpo.
Um cirurgião plástico em busca de uma terrível vingança, mas também da realização de um sonho onipotente (ao modo de um Frankenstein do século XXI), esculpe Vera
(mulher idealizada) a partir de sucessivas cirurgias em Vicente (homem que supostamente teria estuprado sua filha). Vingança, sexualidade, incesto, onipotência tecem uma trama cativante. Michelangelo considerava a escultura como forma superior da arte e a concebia “como forma de representar graças à variedade do corpo humano, à variedade das paixões e sua sublimação a partir da fé” (Chastel, 1991, p. 362). Já o doutor Robert Ledgard (Antonio Banderas) – o cirurgião, escultor de corpos de Almodóvar – realiza, não representa, mas presentifica no real a encarnação do demiurgo; cria à imagem e semelhança do desejo. Corpos manipuláveis, dominados e dominadores, neo-sexualidades, seios e barrigas esculpidas, rostos deformados, corpos idealizados, psiquismos incapazes de conter uma invasão midiática que nos promete realizar o impossível – nesse cenário os limites estão borrados.
Isso por si só retoma com força e atualidade sempre renovada o pensamento freudiano que “descobre no corpo anatômico um outro corpo: o simbólico”, como dissemos
em nossa carta convite elaborada pela equipe editorial da RBP:

Sobre este e sua pulsionalidade, deposita-se o que Aulagnier chamará mais tarde de sombra falada: a cultura dita através da mãe e que, em finas costuras, tece o erógeno, fonte e alvo das relações, a tramar a rede infinita da sexualidade que, no entanto, assenta-se sobre o corpo anatômico finito. Para viver este corpo finito, na tentativa de transcendê-lo, criamos uma mente na qual o atemporal é evocado como consolo frente à finitude humana. Finitude que também se expressa em torno das possibilidades e limites da representação e da linguagem.

Assim movidos por essas reflexões e em continuidade dialógica com os temas que publicamos em 2011 – sublimação, alteridade, limites – concedemos, pelos textos aqui publicados, a palavra ao corpo.
Temos o privilégio de oferecer aos nossos leitores uma bela entrevista concedida à Revista Brasileira de Psicanálise pela bailarina e diretora da São Paulo Companhia de Dança
Inês Borgéa que, com extrema fineza, consegue transpor para o registro verbal a intensidade corporal do percurso, dos ritmos e dos movimentos “desse encontro do corpo que fica no limite entre o privado e o público, entre o encontro com o outro e a solidão”. Gesto e movimento ganham sentido, como já nos assinalara Winnicott, num contexto no qual o tempo e o ritmo poderão abrir as portas à significação. Borgéa assinala com precisão: “com uma frase de movimento acontece o mesmo que com a dança, se você faz um gesto sem pausa, sem interrogação, sem exclamação, ele não significa nada”. A entrevista ganhou ricos comentários das psicanalistas: Maria N ilza Mendes Campos e Joelma Dibo Victoriano.
Os trabalhos publicados dentro do eixo temático têm a particularidade de focar clinicamente a diversidade de perspectivas e de recortes dos autores. Liana Albernaz de Melo Bastos, a partir da noção de corpo-sujeito e de sua vinheta clínica, procura resgatar à prática analítica a dimensão corporal inerente ao campo transferencial-contratransferencial.
Maria Helena Fernandez, autora de vários livros publicados no Brasil em torno do tema, aborda em seu trabalho o corpo a partir de uma perspectiva dos ideais na clínica contemporânea. Discute com precisão três aspectos centrais na clínica da bulimia e anorexia: fetichização do corpo, o apego ao ideal e mecanismos de clivagem e recusa. Já Admar Horn traz ideias centrais no atendimento de pacientes psicossomáticos apresentando uma vinheta clínica e sólidos conceitos de pensamento operatório e depressão essencial, ferramentas fundamentais para a compreensão psicanalítica desses pacientes, elaborados por autores vinculados ao Instituto de Psicossomática de Paris e à SPP.
Miguel Calmon Du Pin e Almeida e Bianca Bergamo Savietto, com estilos diferentes em seus respectivos trabalhos, abordam temas de extrema atualidade. O estranhamento do
Eu face a um órgão transplantado e o tema da drogadição.
Ainda fazem parte desse eixo temático os ricos trabalhos de Sandra Moreira de Souza Freitas, que trata das temporalidades na análise tendo como referência a experiência clínica com uma criança acometida por um câncer aos dois anos; Luciane Falcão, que reflete sobre o papel das sensações corporais na figurabilidade psíquica; e, por último, o texto de Aida Ungier que nos oferece uma rica e consistente discussão em torno da simbolização nas doenças psicossomáticas.
Agradecemos a colaboração especial neste número da Prof. Dra. Ruth Guinsburg, pediatra e neonatologista, pesquisadora da UNIFESP que há anos estuda o tema da dor em
neonatos. O seu instigante e lúcido trabalho abre o campo para as primeiras inscrições psíquicas da dor como experiência subjetiva e assinala o compromisso ético dos profissionais com o sofrimento do outro. Esse texto antecipa o tema do primeiro número de 2012 “Ética e psicanálise” assim como o tema do próximo congresso da IPA que terá como mote o enfrentamento da dor no contexto da experiência clínica.
Na Seção Intercâmbio, apresentamos o trabalho de René Kaës: “A realidade psíquica do vínculo”. Com esse texto encerramos uma série de quatro trabalhos publicados ao longo
de 2011 em torno do tema intrasubjetividade-intersubjetividade, permitindo desse modo um aprofundamento e reconhecimento da riqueza que o contato com diferentes perspectivas podem oferecer ao psicanalista.
Compõem este número, como habitualmente, consistentes artigos não temáticos de Talya Saadia Candi, Leda Beolchi Spessoto e Edival Antonio Lessnau Perrini, assim como
nossas tradicionais resenhas e lançamentos.
Chegamos a mais um final de ano, em nome da equipe editorial da Revista Brasileira de Psicanálise agradecemos o apoio de nossos leitores e assinantes, autores e pareceristas,
esperamos contar com a colaboração dedicada e afetiva de todos ao longo do novo ano que se inicia.

Boa leitura!

Referências
Almodóvar, P. (Dir.) (2011). A pele que habito. [Filme]. Espanha: Buena Vista International. (Distribuição Paris Filmes)
Chastel, A. (1991). A arte italiana. São Paulo: Martins Fontes.

Diálogo

Comentários sobre a entrevista com Inês Bogéa

A partir da entrevista realizada com Inês Bogéa, a autora destaca a construção do conceito de corpo na psicanálise e seu lugar na dança contemporânea, ressaltando a ruptura introduzida no campo da técnica, passando o corpo a ser dotado de produção de sentidos, memória e criatividade.
Palavras-chave: corpo; subjetividade; dança contemporânea.

A autora faz comentários sobre a entrevista com Inês Bogéa abordando as convergências da dança com a psicanálise e considera o corpo como cenário primeiro onde as sensações ensaiam para se apresentar no espaço do mental.
Palavras-chave: corpo; mente; dança; sensações; psicanálise.

Artigos temáticos: Corpo

A autora desenvolve a partir das teorias freudianas, a noção de corpo-sujeito. Faz um breve restrospecto teórico destacando o caráter inovador da prática psicanalítica. Aponta as insuficiências da prática médica por sua matriz positivista no cuidar do corpo. Apresenta uma vinheta clínica para sustentar tecnicamente a noção de corpo-sujeito.
Palavras-chave: teoria freudiana; prática psicanalítica; prática médica; corpo-sujeito.

Estandarte de um ideal de perfeição que se busca insistentemente alcançar, o corpo é hoje hiperinvestido, porém frequentemente apontado como fonte de frustração e sofrimento, constituindo-se como um instrumento privilegiado de expressão do mal-estar na cultura contemporânea. É nesse contexto que as figuras clínicas evocadas pela anorexia, mas também pela bulimia e pela sutil diversidade das problemáticas alimentares vêm ocupando um lugar de destaque. Sendo assim, a partir de duas imagens clínicas, pretendo abordar neste artigo três aspectos marcantes na anorexia e na bulimia: a fetichização do corpo, o apego ao ideal e a amplitude do mecanismo da recusa e da clivagem. E isso
com o objetivo de refletir a respeito da participação da função alimentar e sua relação com o corpo e os ideais nas vicissitudes do mal-estar contemporâneo.
Palavras-chave: corpo; anorexia/bulimia; ideal de magreza; recusa e clivagem; alimentação.

O objetivo deste artigo é refletir sobre a “intoxicação” e a dependência próprias ao corpo/psiquismo do sujeito drogadicto, assim como sobre os desafios à constituição de uma situação analisante que acolha este sujeito – e sobre algumas possibilidades de constituição desta situação analisante. A reflexão será desenvolvida por meio da apreciação de elaborações metapsicológicas e, sobretudo, da subsequente articulação entre tais elaborações e fragmentos de um caso clínico.
Palavras-chave: drogadicção; dependência; “intoxicação”; situação analisante.

O autor faz uma reflexão que se situa em torno da articulação somato-psíquica, baseada nas publicações teóricas oriundas de colegas psicanalistas franceses do Instituto de Psicossomática de Paris. (ipso) e da Sociedade de Psicanálise de Paris (spp). A partir do relato de vinhetas clínicas acerca de um paciente visto pelo autor no ipso, podemos observar detalhes da clínica dos pacientes psicossomáticos assim como as diferentes técnicas empregadas na cura desses pacientes.
Palavras-chave: práticas clínicas; psicossomática psicanalítica; depressão essencial; pensamento operatório; reduplicação projetiva; contratransferência; narcisismo de comportamento; narcisismo fálico.

N este relato, que privilegia as últimas sessões de um menino de quatro anos, em vias de interromper sua análise, a analista exercita os três tempos analíticos preconizados por Fabio Herrmann. No tempo longo, “A história do paciente cai como uma sombra sobre o campo transferencial” (Herrmann, 2004), condensando tal interrupção outras impossibilidades de sua curta vida, vivida intensamente. O tempo médio: jogo da transferência, da relação viva. É o tempo dos dramas transferenciais. “Você não é boa para os meus medos de cinco anos, só os de quatro”, conclui o pequeno paciente, tentando entender mais uma separação na sua vida. Tempo curto “é o tempo da palavra analítica, da sessão enquanto acontecimento em si”. É também o tempo da técnica – aqui, o trabalho com crianças talvez mereça uma diferenciação. A palavra analítica: poderíamos pensar em gesto justo. N esse tempo curto, surge “a cuequinha do homem-aranha”.
Palavras-chave: tempo longo; tempo médio; tempo curto; campo transferencial; gesto justo.

Intrusão e estrangeiridade se articulam na vivência de estranhamento do eu. A partir da reflexão de Jean Luc Nancy no texto O intruso, em que examina e metaforiza sua vivência de estranhamento a partir de sua experiência como transplantado de coração, o autor propõe alguns desdobramentos e consequências sobre o preconceito.
Palavras-chave: intrusão; estrangeiridade; estranhamento do eu; preconceito.

O autor propõe uma ampliação dos estudos sobre a figurabilidade psíquica por meio do que nomeia figurabilidade em ato e flash corporal. A primeira seria uma figurabilidade direta, atuada, um movimento da ordem do processo do id e apresenta um exemplo clínico desse movimento. O flash corporal seria outra forma de figurabilidade que poderia ser percebida por meio das sensações corporais, experimentadas pelo analista durante a sessão. Seria uma ampliação da rêverie materna que toma um caminho nomeado pelo autor de pré-figurabilidade.
Palavras-chave: figurabilidade; ato; flash corporal; psiquização.

A autora propõe uma reflexão teórica a respeito das vicissitudes da simbolização nas doenças psicossomáticas, usando dois casos de angioedema como questionamento diagnóstico e endereçamento da cura.
Palavras-chave: psicossomática; simbolização; espaço transicional; eu-pele; histeria; fronteiriço.

Interface

Calcula-se que cada recém-nascido internado em uti receba cerca de 50 a 150 procedimentos potencialmente dolorosos ao dia. Os estímulos dolorosos se manifestam em múltiplos órgãos e sistemas e ocasionam aumento da morbidade e mortalidade neonatal, além de, provavelmente, transformarem a natureza da experiência da dor e a sua expressão mais tarde na infância e na vida adulta. Apesar disso, o emprego de medidas para o alívio da dor frente aos procedimentos potencialmente dolorosos aplicados a recém-nascidos ainda é raro. A falta de tratamento da dor parece dever-se primordialmente às dificuldades para o seu diagnóstico em um paciente que ainda não pode verbalizá-la. No entanto, o
neonato apresenta um modo característico e específico de responder à dor e o reconhecimento dessa “linguagem” por parte do adulto que cuida do recém-nascido é fundamental para a avaliação adequada do fenômeno nociceptivo e para o emprego de um tratamento efetivo.
Palavras-chave: recém-nascido; dor; unidade de terapia intensiva neonatal.

Artigos

A autora descreve o diálogo que o psicanalista francês André Green desenvolve com a obra de D. W. Winnicott em torno da noção de espaço transicional e apresenta suas reverberações para uma metapsicologia do limite. Na primeira parte deste artigo, a autora descreve os contextos históricos e clínicos que levaram A. Green a elevar a noção de limite em conceito metapsicológico e, na segunda parte, a autora discute a utilidade deste conceito para explorar alguns aspectos do processo de simbolização inerente ao trabalho de análise.
Palavras-chave: Metapsicologia, Limite, André Green, Espaço transicional, Simbolização.

A partir de recomendações técnicas realizadas por Freud aos psicanalistas, a autora examina novas possibilidades de ajustes do setting e novas ferramentas a serem consideradas em virtude de uma observação mais ampla do funcionamento mental que se desenvolveu neste século que nos separa do texto original. O olhar do analista é reconsiderado em sua importância em certas condições do trabalho psicanalítico. Inicialmente é considerado o olhar como recurso em busca de coesão para situações de desintegração. Depois a autora examina o olhar quando o paciente realiza transformações em alucinose e passa a ver o analista de modo tal que este não se reconhece. Nestas circunstâncias surge o desafio de
encontrar interlocutor para o exame das diferenças, onde o modelo do analista acompanhante é proposto como alternativa ao olhar e à associação livre.
Palavras-chave: transformações em alucinose; analista acompanhante; a visão do analista; recomendações técnicas; definição.

A partir da observação de que alguns analisandos trazem para a experiência clínica um emaranhado de angústia, medo, desconforto, pânico e terror, e que essa assustadora vivência cria um sistema de “frenagem” e distanciamento na possibilidade da construção de vínculos, o autor propõe uma aproximação à “intensidade da vida psíquica” dessas pessoas. Entende essa vivência aguda por “intensidade de vida psíquica”, assustadora e sentida como uma ameaça incontrolável para a integridade da mente. Por meio de três fragmentos clínicos e de revisão bibliográfica que contempla os pensamentos de Freud, Klein e Bion, mostra que a consideração dessa “intensidade” pode aproximar o analisando
de seus terrores, permitir a sua contenção na experiência analítica e viabilizar o prosseguimento da análise.
Palavras-chave: intensidade da vida psíquica; mudança catastrófica; cesura; vínculos; experiência emocional.

Intercâmbio

A realidade psíquica inconsciente é a hipótese constitutiva da psicanálise: com o método do tratamento analítico, a psicanálise lançou luz sobre a consistência, os processos e as formações no espaço psíquico do sujeito singular. Se estendermos o conceito de realidade psíquica para os vínculos intersubjetivos e transsubjetivos e para as suas configurações, como descrever essa realidade e quais consequências devem ser consideradas em nossa concepção dos objetos e do método da psicanálise? O objetivo deste estudo é qualificar a realidade psíquica do vínculo, particularmente as alianças inconscientes que são sua matéria fundamental. O autor propõe levar em consideração as implicações epistemológicas e clínicas de uma “terceira tópica” centrada nessa dimensão da realidade psíquica.
Palavras-chave: realidade psíquica; teoria psicanalítica do vínculo; alianças inconscientes; terceira tópica; sofrimento e psicopatologia do vínculo

Resenhas