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Volume 55 nº 4 - 2021 | Supervisão

Sumário (Clique nos títulos para acessar editorial ou resumos disponíveis)

Editorial

Antes de entrar propriamente no tema deste editorial, gostaria mais uma vez de incentivar nossos experientes colegas de todo o Brasil a nos encaminha­rem seus trabalhos. Temos recebido, na sua grande maioria, artigos das fede­radas mais antigas, situadas entre São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, e poucos artigos vindos de outras regiões. O mesmo ocorre com aqueles que provêm de meios acadêmicos e não associados à Federação Brasileira de Psicanálise (Febrapsi).

Também gostaria de enfatizar os critérios de avaliação da RBP. Os traba­lhos precisam obedecer, imprescindivelmente, às normas que estão publicadas no site www.RBP.org.br, quanto a número de caracteres, resumos, palavras–chave etc. Para ser aceito neste periódico de grande prestígio, não basta ser um trabalho correto e suficientemente bem escrito. Um dos critérios decisivos é que ele tenha relevância e originalidade. O conhecimento de autores clássicos não basta. É prioridade que o autor traga uma contribuição original, que abra novas trilhas de pensamento ou questionamentos dentro de nosso campo.

Com frequência aparecem artigos que são boas aulas ou conferências, mas que não trazem algo novo ou relevante, e por isso, apesar de bem escritos, acabam não sendo publicados, por carecerem de algo pessoal e original do autor, em sua clínica ou em sua proposta teórica, e também por não estarem formatados como artigos científicos. Outras vezes, deparamos com trabalhos que teriam um razoável potencial, porém a forma como são apresentados deixa a desejar, com imprecisão tanto na escrita quanto na articulação de ideias, as quais poderiam ser estimulantes se não fossem mal desenvolvidas e não lhes faltasse clareza. Outro problema que surge amiúde é o da confidencialidade do material clínico. Não é possível publicar trabalhos que ameacem a confi­dencialidade dos pacientes por não terem sofrido as distorções ou omissões necessárias, condição sine qua non para esse fim.

Os trabalhos não aceitos são devolvidos com comentários anônimos dos pareceristas sobre os pontos críticos, que requerem revisão, maior aprofunda­mento e reformulação para que sejam inteligíveis e estimulantes para o leitor. Nem sempre as sugestões são bem recebidas pelos autores, mas a RBP necessita manter seus critérios de avaliação científica – similares aos utilizados por peri­ódicos científicos internacionais significativos, como o International Journal of Psychoanalysis – para assegurar o alto nível de qualificação e prestígio.

Os artigos recebidos pela RBP que estejam dentro das normas são enca­minhados de forma completamente anônima – com exceção da região ou da federada de origem, informação que somente a editoria conhece para fins de direcionamento do artigo – para pareceristas que não pertençam ao mesmo grupo ou federada do autor, mas que tenham afinidade teórica com ele. A comissão de avaliação, o editor e a editora associada recebem os pareceres, que são cotejados e sintetizados para encaminhamento do trabalho. Se houver grande discrepância entre os pareceristas, outros são chamados para que haja outras opiniões, que desempatem o impasse. O editor só toma conhecimento da autoria ao final de todo o processo, quando as cartas de aceitação, aceitação com modificações e recusa já estão prontas para ser encaminhadas.

Para o número atual, recebemos muitas contribuições, e foi muito es­timulante ler a maioria delas. Vários, porém, não puderam ser aproveitados. Além dos critérios já mencionados, pesaram de maneira decisiva o critério de relevância e contribuição original e as notas atribuídas pelos pareceristas.

O número inicia-se por uma entrevista com Ignácio Paim Filho, que trata da mais que atual questão do racismo e suas consequências, tanto sociais quanto na formação psicanalítica. Focaliza-se a trajetória pessoal do entrevis­tado e sua experiência na Sociedade da qual faz parte.

Além de uma contribuição valiosa, fora do tema, intitulada “Melancolia e luto na infância e na adolescência: algumas reflexões sobre o papel do objeto interno”, da autora Anne Alvarez, que dispensa apresentações, recebemos con­tribuições de diversos outros autores estrangeiros, caso de Angelika Staehle, Gisela Grünewald-Zemsch, Alain Vanier e Raul Moncayo, que trouxeram textos estimulantes sobre a história da supervisão, os diferentes modelos exis­tentes, a evolução e as controvérsias ocorridas em seus países e nas formações da Associação Psicanalítica Internacional (IPA).

Os artigos internacionais têm um aspecto histórico e técnico mais de­finido, enquanto os brasileiros se caracterizam por um testemunho das ex­periências pessoais, tanto pelo ângulo do supervisor quanto pelo ângulo do supervisionando, sem deixar de considerar os aspectos históricos e técnicos, que ficam como “baixo contínuo” para a melodia da experiência subjetiva, frequentemente tocante, que se desenvolve a partir dele.

O interessantíssimo e testemunhal artigo de Jansy Berndt de Souza Mello foi publicado originalmente em 1997, no caderno do simpósio comemora­tivo dos 100 anos de nascimento de W. R. Bion, promovido pela Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro (sbprj). Nele, a autora narra sua experiência como acompanhante e tradutora de inúmeras supervisões de Bion no Brasil. Fala de suas impressões subjetivas do contato muito próximo que manteve com ele enquanto exercia essa atividade. Dada a sua relevância, con­sideramos conveniente resgatar esse artigo e republicá-lo neste momento.

Os artigos temáticos brasileiros estão muito bem representados por Elizabeth Lima da Rocha Barros, Marlene Rozenberg, Augusta Gerchmann e Paula Daudt Sarmento Leite, Flávio José Gosling e, finalmente, Candice Pasqualin de Campos, Fernanda Crestana e Luciane Falcão.

Entre os artigos não temáticos, publicamos os trabalhos de Luiz Alberto de Souza Junior e Juliano Moreira Lagoas, Marcos de Jesus Oliveira e Ane Marlise Port Rodrigues, que foram selecionados na editoria de Marina Massi, mas que por falta de espaço nas edições anteriores só puderam ser publicados agora.

O artigo de Vera L. C. Lamanno-Adamo foi recebido na atual gestão.

Nós do corpo editorial aprendemos muitíssimo com o que nos chegou para este número dedicado à supervisão, processo que é um dos pilares da formação de psicanalistas, mas que raramente está na ribalta para ser pensado.

Tenho certeza de que a leitura do que se segue há de enriquecer muito e fomentar a curiosidade de todos.

Entrevista

Intercâmbio

A autora apresenta duas condições bem diferentes que interferem na capacidade de uma pessoa vivenciar o luto: se lamuriar muito e se lamuriar muito pouco. Desde 1917, cinco estados mentais específicos, presentes na descrição da melancolia feita por Freud, foram aprofundados por teóricos subsequentes. Neste artigo a autora concentra-se no quarto e no quinto estado. Menciona os objetos não valorizados em oposição aos objetos valorizados. Considera que todos os desenvolvimentos mais recentes do pensamento psicanalítico se apoiam na grande atenção à teoria das relações objetais e na crescente compreensão da natureza da diferença entre os processos patológicos e benignos projetivos e os processos patológicos e benignos introjetivos.
Palavras-chave: luto, melancolia, lamúria viciante, desespero, objeto interno

Temáticos

A autora trabalhou como tradutora dos seminários clínicos de W. R. Bion em 1975 e 1978, conviveu com esse psicanalista e sua família quando moraram em Brasília por um mês e manteve correspondência com eles. Neste artigo, apresenta suas observações sobre esse contato intensivo com a psicanálise bioniana.
Palavras-chave: psicanálise, seminário clínico, supervisão, transferência, memória e desejo

De forma a preservar o ímpeto evolutivo e o alcance da psicanálise, a tarefa da análise de controle é prevenir o estabelecimento da inércia que busca o menor denominador comum e a degeneração de ideias e práticas em evolução na direção de banalizações e preconceitos. A uma instituição psicanalítica é necessário manter padrões mínimos e simultaneamente preservar-se como ambiente vibrante e dinâmico para o contínuo desenvolvimento e regeneração da psicanálise enquanto estrutura viva e simbólica. Através de uma análise de controle, cada analista adquire um estilo analítico único, que não se refere a preferências e idiossincrasias egoicas, mas a uma singular e nova articulação subjetiva dos elementos preexistentes na estrutura tradicional. Sem a realização de uma análise pessoal, a análise da contratransferência e da identificação projetiva em supervisão pode operar como resistência à análise pessoal, essa última o mais importante fator para a autoautorização do analista dentro da organização psicanalítica. O analista não é autorizado pela supervisão ou pelo supervisor, mas pela experiência analítica pessoal com o inconsciente, o sintoma e seus efeitos pós-analíticos sob a forma do que Lacan nomeia de sinthoma. Lacan diz que, ao término da análise, o analisando ou futuro analista não se identifica com o analista, mas sim com seu sinthoma.
Palavras-chave: análise de controle, supervisão como resistência, sinthoma, autorização, supervisor suposto saber

A autora descreve o trabalho de supervisão como escuta da escuta do analista diante de seu analisando. Sugere que essa escuta supervisiva idealmente opera num espaço semelhante a uma atmosfera oniroide. Menciona uma reverie de outra reverie como parte de um processo de descolamento do senso comum, e discute o papel da teoria analítica durante o atendimento e numa supervisão. A presença da teoria é comparada à presença do sangue no corpo humano: nunca deve pesar na relação intersubjetiva do campo analítico.
Palavras-chave: reverie, supervisão, teoria psicanalítica, dicção poética, sensibilidade

Neste artigo, a autora focaliza a transmissão da psicanálise através da formação das próximas gerações. Destaca a tensão entre a necessidade dos psicanalistas de trabalhar em conjunto em uma instituição e a de manter certa distância, que possibilite uma terceira perspectiva quanto à sua identificação com o Instituto. Nesse contexto, apresenta o novo mandato do Comitê de Educação Psicanalítica (pec) e o seu projeto Encontros de Sociedades sobre Educação. Discute a questão da participação de candidatos/analistas em formação dentro dos Institutos. Aborda especialmente o desafio da supervisão na formação e suas vicissitudes. Outro tópico considerado são os seminários teóricos e a exigência de que os professores não confundam a necessária transmissão da tradição com idealizações do passado psicanalítico, e aceitem a natureza finita da sua compreensão da psicanálise.
Palavras-chave: transmissão da psicanálise, identidade psicanalítica, supervisão, seminários teóricos, participação de candidatos

Neste trabalho, a autora aborda questões acerca do self analítico usando a teoria de verdadeiro e falso self para abarcar os movimentos mentais do analista, presentes na experiência de supervisão. Está implícita a importância da transmissão da psicanálise, considerando os aspectos da função do analista e de seu contínuo processo de vir a ser.
Palavras-chave: análise, falso self, função analítica, supervisão, verdadeiro self

A supervisão é um elemento fundamental do tripé de formação – análise pessoal, supervisão e seminários – ao qual todas as correntes analíticas aderiram, seguindo Freud. Mas a função da supervisão permanece problemática, e os trabalhos que tentam esclarecê-la são particularmente poucos em comparação com aqueles que lidam com a análise do analista ou com o ensino. Este texto busca identificar sua especificidade.
Palavras-chave: controle, supervisão, formação, Freud, Lacan

Um marco essencial na formação psicanalítica é a supervisão de formação. A autora apresenta como e através do que podem se desenvolver a competência e a identidade, ou pode haver um efeito inibidor. Considera a relação emocional entre supervisor e supervisionando durante a supervisão de formação, permeada pelas próprias experiências de aprendizagem e didáticas, carregadas com material inconsciente e ancoradas no âmbito semipúblico do Instituto. Retoma a história da supervisão de formação, descreve a controvérsia quanto a teach or treat e mostra as teorias psicanalíticas mais utilizadas na supervisão. Constata que também nos contextos mais “racionais” se atualiza uma constelação e uma dinâmica relacional emocional, parcialmente inconscientes, entre o supervisionando e o supervisor.
Palavras-chave: relação de supervisão de formação, história, análise-controle, teach or treat, emaranhamentos institucionais

O autor relata a experiência de supervisão vivida por um analista em formação em um dos Institutos filiados à ipa. Assinala impasses bem como ganhos da supervisão. Aproveitando a associação com o conceito do jardim inglês, propõe, como possibilidade de uma supervisão, o estabelecimento de um contato vivo, criativo e espontâneo entre supervisor e supervisionando, através das trilhas percorridas conjuntamente pela dupla. A supervisão, ainda que revelando angústias e medos do analista, permitiu o desenvolvimento do supervisionando, incrementando elaborações em sua análise pessoal.
Palavras-chave: supervisão psicanalítica, identificação, desenvolvimento, experiência do analista, transmissão da psicanálise

As autoras abordam uma experiência de supervisão, para fins de formação analítica, em um instituto de psicanálise, desenvolvida pela analista e pela supervisora implicadas na tarefa. Partindo de uma retrospectiva histórica da supervisão no tripé da formação psicanalítica, propõem uma reflexão sobre seu lugar e sua importância no exercício do vir a ser analista. O estudo leva as autoras a acreditarem que, assim como a própria análise é uma tarefa interminável, as forças intrapsíquicas que estão permanentemente em jogo no encontro do analista com o paciente geram uma demanda que convoca o diálogo na supervisão, o qual parece conter o paradoxo do descobrimento sem colonização. Em conclusão, entendem que, ao mesmo tempo que a tarefa da supervisão promove novos significados, ela não deve se tornar um exercício de doutrinamento.
Palavras-chave: supervisão didática, formação psicanalítica, história da supervisão, descobrimento sem colonização

As autoras propõem a hipótese da existência de um fenômeno que ocorre no processo de supervisão e que nomeiam como o terceiro analítico supervisório. Partem da ideia de que algumas representações sem representação simbólica do aparelho psíquico do paciente – que se mantêm nesse estado durante a sessão de análise – poderiam sofrer algum tipo de transformação durante o processo de supervisão. Fenômenos perceptivos que acontecem no aparelho psíquico do sujeito e no campo analítico, como o trabalho de figurabilidade e a simbolização primária, também podem acontecer numa sessão de supervisão. As autoras mostram que esse processo incide tanto na mente do supervisionando quanto na do supervisor e sucede em três tempos: 1) sessão de análise, 2) sessão de supervisão, e 3) reflexão e narrativa. Começam com uma breve revisão teórica dos conceitos de Darstellbarkeit, figurabilidade psíquica e simbolização primária. Depois, descrevem como se dá a apreensão de representações sem representação simbólica, ou seja, representações não simbolizadas, através do processo supervisório, e então propõem a ideia do terceiro analítico supervisório. Por fim, apresentam alguns exemplos clínicos.
Palavras-chave: Darstellbarkeit, supervisão, figurabilidade, simbolização primária, terceiro analítico supervisório

Temas livres

Há 10 anos era proferida e publicada a palestra antinarcísica de Viveiros de Castro. Mais que mera síntese dos pontos centrais de seu perspectivismo ameríndio, o texto é explicitamente um manifesto pela descolonização do pensamento antropológico e, implicitamente, psicanalítico. Aceitando essa provocação, os autores sugerem posicionar o indígena como o estranho familiar brasileiro. Ao longo dos séculos até o presente, nota-se um esforço contínuo de recalcamento dos povos originários como um dos eixos da formação da identidade nacional. Com base nessa hipótese, os autores lançam duas perguntas: quais atributos do indígena desencadeiam tamanho esforço de recalque? Qual a função da psicanálise nessa operação? Para tal investigação, propõem um diálogo entre a antropologia de Viveiros de Castro e o conceito freudiano de Unheimliche. Apoiados nesses alicerces teóricos, argumentam que o Brasil é um país fundado sobre a experiência unheimlich e buscam rastrear esse movimento de prefixação de familiar para infamiliar do indígena brasileiro.
Palavras-chave: psicanálise, antropologia, Unheimliche, indígena, descolonial

O objetivo deste ensaio é desenvolver a hipótese segundo a qual é possível ouvir uma estética na proposta ética da psicanálise lacaniana. Para tanto, será discutida a clínica do simbólico tal como delineada, sobretudo, no seminário A ética da psicanálise, para em seguida apresentar a clínica do real desde o seminário O sinthoma, na qual a problemática da escrita do gozo se radicaliza. No desenrolar do debate, pretende-se destacar como, progressivamente, Lacan aprofunda a experiência analítica enquanto poiesis, ato de criação, um gesto de abandono de uma “vontade de poder”, no sentido foucaultiano, para a afirmação de uma “vontade de criação”, para dizê-lo nietzschianamente, própria às artes, e portanto como o avesso da biopolítica, de uma ordem de controle dos corpos e da subjetividade.
Palavras-chave: clínica do real, sinthoma, estética, Lacan

A questão da formação/transmissão em psicanálise abriga a discussão entre seu regramento e uniformidade ou sua liberdade e singularidade. Neste estudo, as possibilidades de liberdade e singularidade ficam relacionadas ao trabalho no grupo institucional em torno do quarto eixo (acrescentado ao clássico tripé da formação analítica), trocas e vivências subjetivas na instituição. Descreve-se, brevemente, a experiência de criação conjunta, a cada semestre, da planilha de seminários no Instituto de Psicanálise da Sociedade Brasileira de Psicanálise de Porto Alegre (modelo Eitingon) pelo grupo institucional. Considera-se que essa experiência permite o trabalho no quarto eixo nesse Instituto específico, fortalecendo as relações democráticas e ampliando as possibilidades de liberdade e singularidade na transmissão da psicanálise.
Palavras-chave: instituição psicanalítica, transmissão da psicanálise, liberdade, singularidade, quarto eixo

Entrelaçando fragmentos de uma experiência clínica com a narrativa de um dia na vida de Ana, personagem de um conto da escritora Clarice Lispector, a autora considera o feminino não como um adjetivo, uma qualidade, mas como um estado mental, algo não definitivo, não adquirido e perdido de forma absoluta; um estado mental fugidio que encarna o constitutivo do ser humano, isto é, o enigma da criação, a vida e a morte, o indizível, o mistério, a falta; o feminino como uma metáfora do sujeito na psicanálise, constituindo-se permanentemente na sustentação e no repúdio ao que espanta, fascina, causa horror e assombro.
Palavras-chave: feminino, estado mental, poesia, epifania, Clarice Lispector

Resenhas