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Linguagem ambiente linguístico
Marcel Proust, em seu pequeno e maravilhoso texto “Sobre a Leitura”, cogita que os livros são o que de melhor o autor poderia nos dar. Podem nos propiciar um tipo particular
de amizade e por que não de amor? O que o autor nos dá poderíamos chamar de “Conclusões” e o que recebemos como leitores poderia ser denominado “Incitações”. Diz Proust: “Sentimos muito bem que nossa sabedoria começa onde a do autor termina, e gostaríamos que ele nos desse respostas, quando tudo o que ele pode fazer é dar-nos desejos. Esses desejos, ele não pode despertar em nós senão fazendo-nos contemplar a beleza suprema à qual o último esforço de sua arte lhe permitiu chegar. Mas por uma lei singular e, aliás, providencial da ótica dos espíritos (lei que talvez signifique que não podemos receber a verdade de ninguém e que devemos criá-la nós mesmos), o que é o fim de sua sabedoria não nos aparece senão como o começo da nossa, de sorte que é no momento em que nos disseram tudo o que podiam nos dizer que fazem nascer em nós o sentimento de que ainda nada nos disseram. Aliás, se lhes fizermos perguntas, às quais não podem responder, também pedimos-lhe respostas que não nos instruirão em nada.”
Após uma citação com essa força é um problema continuar escrevendo, mas precisamos prosseguir: não é o mesmo que sentimos ao prosseguir escrevendo após Freud? Mas
não temos alternativa, temos que desenrolar nossa própria sabedoria. Nossa humilde arte segue nas páginas desse número da RBP e se não temos o saber e o talento dos mestres, temos em nossos textos a generosidade de nos ofertar no que de melhor pudermos alcançar. Seguros de que nosso papel não é o de ensinar, contamos com a generosidade dos leitores que ao se debruçarem sobre os resultados de nossos esforços se deixem ferir em sua intimidade e por sobre as cicatrizes resultantes possam produzir um passo além na construção de seu patrimônio teórico e, de seu expediente diante do fazer psicanalítico. Esperamos que os leitores possam sentir um pouco da amizade com que a equipe da RBP se dedica à construção de cada número, e que possamos além do respeito pelos textos cultivar um amor que as ofertas dos leitores e dos autores podem potencialmente nos propiciar. Livros e revistas são para serem levados no colo, apertados em nossa intimidade, esse é o desafio que uma publicação se propõe: ser amada. Bastante difícil e improvável, mas qual a alternativa?
Pretendemos, nestas páginas iniciar uma reflexão acerca do ambiente de pensamento que uma determinada língua possibilita. É diferente uma psicanálise pensada em inglês
ou em francês ou ainda em alemão? Praticamos nossa arte em português, quais as consequências? Quais facilitações e quais impedimentos uma organização de linguagem particular apresentam? Além do histórico, das peculiaridades de nossa sociedade, não haverá também uma cultura plasmada na linguagem? Boris Schnaiderman nos lança um desafio; a língua portuguesa é muito apropriada para a manifestação de sentimentos, mas não é assim tão boa para a organização de uma reflexão. É um ponto de vista respeitável vindo de um intelectual tão preparado e experiente no trato de diferentes línguas.
Haverão outras possibilidades?
Esperamos que a RBP tenha iniciado um debate, que o resultado final deste número possa ser o início de uma reflexão acerca dos fatores que nos passam desapercebidos no
decurso de uma análise. Percebemos o que nos conflita ou o que faz contraste contra um fundo.
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O comentário procurou destacar, na entrevista de Boris Schnaiderman, alguns aspectos importantes relacionados com a psicanálise e com o problema da tradução. A relação entre sua língua de origem, o russo, e a língua portuguesa que se tornará sua língua literária. Comenta-se também a relação entre Freud e Dostoievski a respeito de seu ensaio Dostoievski e o parricídio. Alude-se ainda à vinda de Roman Jakobson ao Brasil e à colaboração com os poetas concretos na tradução dos poetas russos de vanguarda.
Palavras-chave: tradução; hospitalidade; linguagem consciente e linguagem inconsciente; linguística e psicanálise.
Este texto é um comentário da entrevista concedida pelo Prof. Boris Schnaiderman à Revista Brasileira de Psicanálise no dia 15 de outubro de 2008. Focaliza principalmente as ideias de Boris Schnaiderman em torno da tarefa do tradutor assim como tece algumas considerações em torno da tradução em psicanálise. Especificamente leva em consideração o modelo do recalque formulado por Freud e as modalidades de tradução intersemiótica como apontadas por Jakobson e exercitadas na prática da clínica psicanalítica.
Palavras-chave: tradução; recalque; interpretação.
O autor reflete sobre as peculiaridades da prática analítica numa cultura particular, a brasileira. Lançando mão de ilustrações clínicas e de situações que vivenciou em seu convívio com distintas culturas analíticas, conclui que a verdadeira linguagem que – ao mesmo tempo une e desafia todos os analistas – é a do inconsciente.
Palavras-chave: psicanálise brasileira; culturas analíticas; o analista e as cidades.
A autora examina a importância da linguagem para a psicanálise e possíveis peculiaridades envolvendo língua materna, língua estrangeira, tradução e interpretação no psiquismo e no contexto clínico.
Palavras-chave: língua materna; língua estrangeira; tradução; interpretação; linguagem; psicanálise.
Partindo do relato da sua experiência pessoal como analista estrangeira, a autora tece algumas considerações sobre a dificuldade de tradução de expressões próprias da língua portuguesa falada no Brasil. Estabelece um paralelo com o trabalho de tradução do inconsciente e, ao mesmo tempo, remarca a diferença entre eles, decorrente da inexistência de uma correlação simbólica prévia e universal entre aquilo que o paciente fala e as significações inconscientes. Um percurso por alguns conceitos da obra de Sigmund Freud explicita a estreita relação existente entre linguagem e psicanálise desde a origem da teorização psicanalítica. Como conclusão, postula-se que não existem diferenças específicas que possam ser creditadas à língua portuguesa em um processo de análise.
Palavras-chave: linguagem; tradução; estrangeiro; processo analítico.
O artigo apresenta algumas reflexões sobre o conceito de tradução, a partir da própria experiência da autora. As contribuições de Jacques Derrida ao tema servem de base à escrita do texto.
Palavras-chave: tradução; psicanálise; desconstrução; judeidade.
A autora considera que a condição do indivíduo dialogar com o outro tem suas origens na experiência primordial de falar através de alguém que aceite eclipsar sua própria subjetividade (e eventualmente a linguagem própria). Assim, o aparecimento da verdadeira subjetividade alheia é favorecido. A linguagem utilizada pelo analista na análise, com suas características e inflexões, portanto, pode ser a do analisando. Apresenta-se o caso clínico de uma adolescente estrangeira, cujo idioma inglês foi adotado pela analista com todas as suas peculiaridades. Um filme longa metragem de animação é utilizado como paralelo ilustrativo da história da paciente.
Palavras-chave: diálogo; linguagem; idioma; subjetividade; objeto subjetivo.
O autor reporta a emergência de um fragmento significativo da própria análise, ocorrida muito tempo depois do seu término, por ocasião da preparação de um texto para participar em um encontro científico com outros analistas, numa língua estrangeira, a língua em que fizera sua análise. Faz considerações sobre o multilinguismo e o inconsciente na transferência, ressaltando “o assassinato” de que é portadora a fala na análise, como condição da instauração da ausência ou do negativo, considerado fecundo e indispensável para o processo analítico.
Palavras-chave: multilinguismo; transferência; assassinato.
O presente documento diz respeito a uma experiência clínica de shuttle, análise realizada em uma língua que não é nem a língua materna do paciente nem a do analista. É uma oferta interessante dois pontos para reflexão sobre os problemas do idioma na prática clínica e sobre os problemas específicos de análise de formação em áreas sem sociedades componentes de formação regulares.
Palavras-chave: idioma; língua materna; formação; análise shuttle.
A criança humana nasce equipada para desenvolver uma linguagem humana. O cérebro do bebê é um mecanismo de precisão para descobrir e apreender a estrutura de línguas faladas. A criança é um pesquisador nato; seu espaço perceptivo inicial sensibiliza-se as propriedades particulares de sua língua materna. A escuta desta língua, a qual ela já teve experiência através dos últimos meses de vida pré-natal, desencadeia outras potencialidades que trazem em um período de tempo extraordinariamente curto a possibilidade de tornar-se locutor dessa língua. Essa rápida aquisição abre ao ser humano os mais vastos horizontes.
Palavras-chave: Linguagem, escuta, criança, língua materna, cultura, desenvolvimento da linguagem
O autor desenvolve a tese de que a história da linguagem se confunde e se faz inseparável da filogênese da cultura humana. N ão aparece após o surgimento do homem, mas encontra-se na sua própria origem. Ambas permitem à humanidade passar de uma evolução contínua a uma evolução descontínua e cumulativa. O meio ambiente humano, ao mesmo tempo natural e cultural, se compõe de um meio físico e de um entorno semiótico e presentacional. Portanto, entende que a questão da origem da linguagem não é pertinente e, sustenta que seria mais profícuo explorar as condições da emergência da semiótica e da constituição do sujeito humano, nas quais a linguagem ocupa lugar central. A
sua criação liberta o homem do cerco das coisas, oferecendo acesso à função simbólica; permite uma experiência para além do eterno aqui-agora, introduzindo a noção de temporalidade; é habitada pela experiência da alteridade, instaurando o contrato social, a Lei.
Palavras-chave: linguagem, origem da linguagem, cultura, semiótica, ausência do cerco das coisas, função simbólica, temporalidade, alteridade, Lei.
Apresentam-se as ideias teóricas que deram origem à chamada “Psicanálise Relacional”, um modelo diferente na Psicanálise, que tem origem e desenvolvimento nos Estados Unidos. Basicamente, trata-se de uma “Psicanálise de duas pessoas”.
Palavras-chave: Psicanálise relacional; modelo psicanálise de duas pessoas; teoria e técnica psicanalítica; self; gênero.
A partir do caso de uma criança de dois anos e meio o presente texto discute como o trabalho psicanalítico se desenrola na fronteira dos estados autísticos, caracterizados pela precariedade da estrutura dialógica e da dialética self/outro que a define. N ão havendo negociações que discriminem e permitam a co-existência de self e outro, objeto e sujeito não se constituem, levando a uma experiência contratransferencial de não estar de fato com alguém. Sendo possível apenas operar na base de programas menos psicológicos que biológicos, a analista teve que se valer do escrutínio de uma rêverie quase “corporal” para identificar a necessidade da criança de ter experiências de agência (“eu tenho o poder de agir”) e contingência (“eu tenho o poder de determinar respostas aos meus atos”) que privilegiam o senso de self, para depois aceitar experiências de alteridade. Tal mapeamento propiciou a reconstrução da estrutura dialógica, delineando-se um sujeito e um objeto. Ainda que sujeitos a flutuações, os processos de simbolização foram postos em marcha,
permitindo a identificação das fantasias (penetração, posse, aniquilação etc) como produto da transformação das experiências instintuais.
Palavras-chave: Transtornos autísticos; psicopatologia do desenvolvimento; psicanálise de crianças; estrutura dialógica
Em um diálogo com a Teoria dos Campos, criada por Fabio Herrmann, este trabalho discute o lugar da escrita do analista. A partir do depoimento de diferentes analistas sobre a escrita, toma como eixo de discussão o aforismo “teoria é a escrita da clínica” e propõe dois desdobramentos. No primeiro, os termos teoria, escrita e clínica são articulados à estrutura interna do pensamento do autor, buscando relações intrínsecas entre o método psicanalítico – a ruptura de campo – e os termos aludidos. N o segundo, aponta a tentativa do autor encontrar um lugar para a psicanálise no seio das ciências, o que o leva a destacar o aspecto ficcional da teoria psicanalítica e a propor a literatura como seu análogo.
Palavras-chave: escrita; psicanálise; ficção; teoria; método psicanalítico.
Pretendo apresentar o modo como Merleau-Ponty interpretou a análise freudiana do caso “Dora”. Certamente, essa interpretação é curiosa, uma vez que o leva a reafirmar que, em última análise, a psicanálise nos propõe novos caminhos para se pensar o “corpo”, revelando uma certa “intercorporeidade” assim como o inconsciente deveria ser pensado como uma “modalidade” da corporeidade.
Palavras-chave: inconsciente; psicanálise; corpo; intercorporeidade.
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