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Volume 47 nº 4 - 2013 | Trabalhos premiados XXIV Congresso Brasileiro de Psicanálise

Sumário (Clique nos títulos para acessar editorial ou resumos disponíveis)

Editorial

O encerramento de um ciclo anuncia o trânsito e a abertura para o novo, movimento criativo que se volta para frentes menos exploradas. Assim, neste número, vocês, caros leitores que nos acompanharam ao longo de 2013, encontrarão dois movimentos concomitantes.

O primeiro, que dá nome a este volume, culmina com a publicação dos trabalhos premiados no XXIV Congresso Brasileiro de Psicanálise, cujo tema – Ser contemporâneo: medo e paixão – foi o escolhido pelo Conselho Científico da Febrapsi, e que se desdobrou na reflexão psicanalítica e filosófica em torno das propostas de Giorgio Agamben sobre o contemporâneo e nas instigantes considerações sobre medo e paixão a partir das implicações derivadas de “Totem e tabu”, comemorando assim os cem anos de sua publicação. O tema do contemporâneo e seu impacto nas transformações na clínica atual já tinha sido objeto de reflexão em dois números da Revista Brasileira de Psicanálise em 2012, Passagens I e II, que tratavam dos desafios colocados para a subjetividade no turbulento movimento do Moderno ao Contemporâneo, suas tensões, conflitos e opacidade. Além disso, no número O pensamento clínico e o contemporâneo, publicado em 2013, procuramos aprofundar e estimular os debates em torno do tema de nosso congresso. Aproveitamos este retrospecto para congratular a comissão organizadora do Congresso Brasileiro de Psicanálise pela competente organização, cálida acolhida em Campo Grande e alto nível dos debates e trabalhos apresentados.

Cumprimentamos a ganhadora da primeira edição do Prêmio Revista Brasileira de Psicanálise, Vera Lúcia Colussi Lamanno Adamo, autora do artigo “Considerações sobre o trabalho do negativo a partir de uma experiência clínica”. Queremos parabenizar também a todos os ganhadores dos prêmios pela qualidade dos trabalhos e pela disponibilidade de compartilhar através da escrita as reflexões sobre a clínica e a teoria psicanalítica. São eles e seus trabalhos: “O Amor como elemento estruturante da continência na situação edípica”, de Gisele de Mattos Brito (Prêmio Durval Marcondes), “Uma paixão entre duas mentes: a função narrativa”, de Maria Cecília Pereira da Silva (Prêmio Fabio Leite Lobo), “Realidade sensorial e realidade psíquica: trânsito e turbulência”, de Cláudia Aparecida Carneiro (Prêmio Mário Martins), e “Por que ainda ler Freud’”, de Berta Hoffmann Azevedo (Prêmio João Bosco Calábria).

Um segundo movimento neste número se anuncia a partir da sensível e generosa entrevista concedida pelo consagrado escritor moçambicano Mia Couto. Seguem a ela os comentários de nossos colegas Juarez Guedes Cruz, Ney Marinho e Carlos de Almeida Vieira, que direcionam nossa atenção para as diferentes e infinitas sendas que a literatura de Mia Couto convida a trilhar: seu universo imaginário e cultural, a infância, o tempo, a dura realidade da guerra civil em Moçambique, o vértice psicanalítico e tantos outros. Embora seja frequente o diálogo entre literatura e psicanálise, nem sempre aprofundamos os elementos que constituem esta afinidade. O lugar central da linguagem na experiência clínica, a metaforização e a transformação dos afetos nas diferentes formas de representação, o mundo onírico e as formas de simbolização guardam com a prosa e a poesia um parentesco indiscutível, sem falar na dimensão ficcional da teoria psicanalítica, destacada por vários analistas.

A delicadeza da presença de Mia Couto contrasta com a força poética que sua fala e escrita revelam:

Quando se faz um romance, não é possível escrevê-lo em poesia, mas a linguagem pode ser poética
… É como se estivesse sempre na posição daquele que escuta … É como se eu autorizasse que vozes me ocupem e me contem uma história.

Assim, Mia, nome que adotou para si na infância e como gosta de ser chamado, realiza o que Michel Collot aponta como sua perspectiva do sujeito lírico:

Fazendo a experiência de seu pertencimento ao outro – ao tempo, ao mundo ou à linguagem –, o sujeito lírico cessa de pertencer a si. Longe de ser o sujeito soberano da palavra, ele se encontra sujeito a ela e a tudo o que o inspira. Há uma passividade fundamental na posição lírica, que pode ser similar a uma submissão (Collot, 2004, p. 166).

O trabalho da professora de teoria literária Viviana Bosi, convidada para escrever neste número “O sujeito lírico e o sujeito pedra”, nos fornece mais elementos para a compreensão da posição do sujeito lírico e os modos como este foi apreendido ao longo dos tempos. Ainda que não se trate de um texto monográfico, assinala indícios que atiçam nossa curiosidade e, acima de tudo, coloca em perspectiva as transformações do eu lírico que acompanham as transformações da subjetividade no movimento que vai do Romantismo à atualidade– transformações que podem auxiliar o analista a reconhecer as múltiplas vozes que se deixam ouvir na sessão junto ao nosso analisando. Viviana mergulha, mais especificamente, na poesia brasileira contemporânea, e nela identifica uma mudança de posição da voz poética, um sujeito que não se reconhece como tal.

Se dissemos anteriormente que este segundo movimento anuncia algo novo, é porque por ele queremos adentrar e estimular as reflexões em torno de dois eixos que estarão em debate no cenário psicanalítico internacional: (a) o apaixonante e dialético território de Realidades e ficções, que será tematizado no próximo Congresso da FEPAL, em 2014; e (b) Um mundo em mutação: formas e uso das ferramentas psicanalíticas na atualidade, tema proposto para o Congresso da IPA em Boston, 2015.

Na seção Intercâmbio, publicamos um trabalho do psicanalista argentino Leandro Stitzman, que partindo da teoria das transformações de Bion, foca seus argumentos na interpretação e no assinalamento da importância da sua dimensão de continente no saturado. Destacamos os ricos trabalhos dos colegas Lia Fátima Christovão Falsarella, Dora Tognolli, Marli Claudete Braga, Paulo de Tarso Ubinha e Helio Honda, que abordam tanto temas da clínica atual como aspectos da metapsicologia psicanalítica. Recomendamos a leitura de nossas resenhas e comentários cuidadosamente elaborados pela equipe sobre os lançamentos mais recentes.

Para finalizar, gostaríamos de agradecer a todos os que contribuíram com a produção da Revista Brasileira de Psicanálise ao longo de 2013: aos nossos autores e assinantes; a toda a equipe editorial, em suas diversas comissões (temática, avaliação, interface, intercâmbio, entrevistas, resenhas e lançamentos); aos editores e coeditores regionais; aos pareceristas de todos os estados do Brasil; à nossa dedicada secretária Nubia; aos nossos revisores e diagramadores. Também agradecemos à Presidente da Febrapsi, Gleda Brandão de Araújo, a todos os integrantes do Conselho Diretor da Febrapsi que encerrou sua gestão (2012-13) e à Assembleia de Delegados e Presidentes das Sociedades e Grupos de Estudos, componentes da Febrapsi, de quem sempre recebemos estímulo e apoio para nossas iniciativas.

A todos, uma boa leitura!

Bernardo Tanis
Editor

Referências
Collot, M. (2004). O sujeito lírico fora de si. Terceira Margem: Revista do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Literatura, 11, 165-177.

Diálogo

Comentários sobre a entrevista

O autor traça um paralelo entre as ideias de Mia Couto a respeito da escrita literária e as concepções de Thomas Ogden sobre o escrever psicanálise. Enfoca, de modo especial, as descrições feitas, por um e por outro, do funcionamento mental mais propício à elaboração do texto.

Palavras-chave: psicanálise e literatura; vida onírica; escrita; criação poética.

O autor vê Mia Couto como um dos grandes apresentadores da África. Associa a crise de identidade do escritor luso-africano à do filósofo franco-judeu-magrebino Jacques Derrida. Discute brevemente outros temas que a entrevista lhe evocou: sonhar/pensar, uma linguagem para a experiência africana; o continente sonâmbulo, a guerra, a literatura impossível; a reconciliação e a verdade, o encontro da África consigo mesma e o nosso reencontro. Chama a atenção para o constante trabalho na caesura (Bion) que vê na obra de Mia Couto. Finaliza dedicando seu texto a todos aqueles que amam a África, mencionando em particular: Alberto da Costa e Silva (nosso maior africanista) e António Pacheco Palha (orientador dos primeiros psiquiatras africanos de língua portuguesa, em sua cadeira na Faculdade de Medicina do Porto).

Palavras-chave: Mia Couto; identidade; caesura; África; verdade; reconciliação

O autor propõe nesta comunicação aproximar a experiência literária e poética da observação e apreensão da realidade psíquica no trabalho analítico. A partir da entrevista concedida pelo escritor Mia Couto para a Revista Brasileira de Psicanálise, e acrescentando textos de outro autor, Jorge Luis Borges, enfatiza a importância do vértice estético-artístico como fundamento da pesquisa psicanalítica. A literatura e os poetas têm muito a nos ensinar, na medida em que o fenômeno mental, hoje, não é mais propriedade da psicanálise, ou melhor, na medida em que a psicanálise é um dos meios de observação e pesquisa da realidade psíquica, da experiência humana.

Palavras-chave: literatura; psicanálise; formação psicanalítica; prosa e poesia.

Trabalhos premiados

A partir de uma experiência analítica, e apoiada no conceito de trabalho do negativo elaborado por Green (1993/2010), discute a autora uma dinâmica em que o negativo ocupa um lugar predominante de recusa à escolha e contradições. Uma dinâmica em que o sim e o não, presença e ausência apresentam-se em estado de quase total incomunicabilidade, propiciando um campo mental marcado por uma rejeição a tudo e, ao mesmo tempo, uma apropriação de tudo, na anulação. Uma estrutura que elimina, através de graus extremos de cisão, expulsão-fechamento, supressão e apagamento, qualquer noção de uma existência com parcerias (copulação, fertilização, gestação). Discute-se também que essa configuração mental expõe o analista a uma contínua dinâmica de destruição/sobrevivência de suas capacidades mentais. Sobrevivência que se relaciona com a capacidade do analista de não retaliar nem sucumbir ao pacto de eliminação de uma relação mental criativa. E trabalho analítico que se alcança por meio da manutenção do trabalho de ligação dos afetos, imagens e palavras, conforme são vivenciados e expressos na transferência e na contratransferência.

Palavras-chave: trabalho do negativo; presença; ausência; processos de simbolização.

A autora, por meio de instigante material clínico, busca refletir sobre o papel do amor como estruturante da continência na situação edípica. Como esse amor permeia a triangulação edípica já nos primórdios da relação da mãe com seu bebê’ Como isso se apresentaria na sala de análise’ Parte ela da teoria de rêverie (Bion), na qual chama a atenção ao amor da mãe pelo pai como um elemento que é transmitido ao bebê; amplia esse vértice, utilizando-se da teoria de Ogden; chama a atenção para o fato de que, nessa primitiva fase de desenvolvimento do complexo de Édipo, tanto na menina como no menino, a relação triádica ocorre entre o bebê e a mãe; “O pai é um objeto libidinal descoberto dentro da mãe”. Ao aproximar essas teorias, a autora demonstra como a analista entra como o “outro” na relação para ser encontrada.

Palavras-chave: amor; continência; situação edípica; triangulação edípica; complexo de Édipo.

Este artigo descreve uma função psíquica do analista que foi se definindo a partir da experiência clínica com crianças. Trata-se de uma qualidade psíquica derivada da função alfa, que envolve a capacidade de rêverie, como uma paixão entre duas mentes: a função narrativa do analista. Apresenta-se uma situação clínica em que essa função foi se constituindo no campo analítico, diante da dificuldade do paciente em simbolizar. Descreve-se como a função narrativa busca uma conexão com o isolamento em que vive uma criança com transtorno do espectro autista, na qual a possibilidade de representação ainda não se estabelecera. Oferecem-se significados para o brincar repetitivo e estereotipado, tecendo- -se a subjetividade e apresentando-se gradativamente a noção de alteridade. Procura-se mostrar como a função narrativa do analista na construção das temáticas das sessões permitiu a constituição do tecido psíquico, em que as emoções puderam ser compartilhadas em um encontro entre duas mentes.

Palavras-chave: função; narração; paixão; representação; autismo; psicanálise.

Este trabalho clínico se propõe a examinar o trânsito de estados de mente da analista e de sua paciente, trânsito que se dá entre a percepção de impressões sensoriais e a apreensão da realidade psíquica, que só é possível por meio da experiência emocional vivenciada na relação analítica. Traz reflexões sobre a capacidade da dupla analítica de se mover entre o mundo sensorial e o não sensorial e de sofrer turbulência na situação de análise.

Palavras-chave: realidade sensorial; realidade psíquica; sensorialidade; turbulência; experiência emocional.

O presente artigo problematiza por que ainda ler Freud e reconhece duas grandes tendências no entendimento da história do movimento psicanalítico que têm efeitos diversos no interesse pela leitura da obra freudiana. A autora afirma a importância de uma leitura implicada e revitalizada de Freud como fundamental para a psicanálise contemporânea.

Palavras-chave: metapsicologia; Freud; psicanálise contemporânea.

Interface

O ensaio pretende, em sua primeira parte, apresentar brevemente algumas reflexões sobre o sujeito lírico desde o romantismo, de forma a introduzir a questão que desenvolve de modo mais concreto na segunda parte, quando analisa e discute três poemas contemporâneos (de Rubens Rodrigues Torres Filho, Francisco Alvim e Sebastião Uchoa Leite), nos quais se reconhece uma mudança de posição da voz poética. A questão principal é o encolhimento e a perda de centralidade desse sujeito, que nem se reconhece de fato como tal.

Palavras-chave: sujeito lírico; poesia brasileira contemporânea.

Artigos

Neste trabalho, a autora, tomando por base algumas vinhetas clínicas e a teoria das Transformações, de Bion, examina algumas questões relativas à presença do objeto nas transformações em alucinose, cotejando o vértice do analisando, sob o domínio de alucinose, com o vértice da analista como presença real na sala de análise. O trabalho divide-se em duas partes, em que são considerados, sempre sobre base clínica, conceitos essenciais à teoria de transformações em alucinose, apreciando, além de Bion, a contribuição de outros autores. Alguns argumentos de natureza poética também foram utilizados para o incremento da realização das situações em foco.

Palavras-chave: transformações; alucinose; objeto.

Este texto pretende colocar em cena o tema da melancolia, valendo-se de uma análise que desemboca em um impasse e é interrompida. A obra de Freud – desde o trabalho do Narcisismo, passando por Luto e melancolia e O ego e o id – é tomada como ponto de partida para pensar a clínica. Discutem-se também estratégias de trabalho diante da melancolia e os desafios subjacentes à construção e criação de narrativas que introduzam o tempo e a história na vida do sujeito.

Palavras-chave: sombra; objeto; melancolia; narcisismo; pulsão de morte.

A autora examina pontos de mudança em sua maneira de pensar e trabalhar em psicanálise nas três últimas décadas. Percebe que tais mudanças também ocorreram no desenvolvimento do conhecimento psicanalítico. Para tratar desta situação em sua experiência, toma como referência um caso clínico atendido há trinta anos e vinhetas do seu trabalho atual. Complementa o exame com reflexões sobre sua visão do mental e das modificações que nela aconteceram ao longo deste tempo.

Palavras-chave: significado; sentido; desenvolvimento; mudanças; evolução.

O autor apresenta o conceito psicanalítico de mente primitiva. Remete-nos às fantasias histéricas registradas em traços de memória até os seis meses de idade, ao sonho do Homem dos Lobos, referido à memória de uma cena infantil em torno de um ano e meio de idade, e a certas lembranças encobridoras em que surgem elementos sensoriais de muita nitidez sensorial. Conjetura a hipótese de que todos esses fenômenos sejam explicados pela noção de signos de percepção (Sp ou Wz) da Carta 52. A mente infantil inicialmente funciona em um registro pré-verbal, captando aspectos fragmentários sensoriais do objeto; depois os reúne em representações de coisa e atinge o nível de representações de palavras quando desenvolve a linguagem verbal. Na mente adulta persiste este modo de funcionamento mental primitivo dos signos de percepção. Dois recortes clínicos ilustram esta hipótese: o registro de um sonho composto pela imagem de partes de um corpo (Caso A) e uma sensação corporal de frio, relacionada à frieza dos cuidados maternos (Caso B).

Palavras-chave: mente primitiva; Carta 52; signos de percepção; construção

Por meio da retomada do conceito freudiano de Verleugnung (renegação), o autor propõe uma leitura das intervenções em excesso, na forma de conselhos e conforto, feitas pelo analista na situação clínica. Examina o papel dos conselhos e conforto nas intervenções clínicas, recupera o conceito de Verleugnung e a problemática que o envolve na obra de Freud, a fim de propor uma elaboração conceitual daquelas ocorrências contratransferenciais. Ao final, levanta a hipótese de que tais intervenções em excesso, invariavelmente de motivação inconsciente, seriam impulsionadas por angústias suscitadas na situação clínica. Portanto, como um fetiche, poderiam estar a serviço do encobrimento de uma realidade insuportável.

Palavras-chave: Verleugnung; renegação; fetichismo; contratransferência.

Intercâmbio

O trabalho traz uma série de questões relacionadas com a importância da formalização de uma linguagem que possibilite o desenvolvimento da intuição, sem saturar de ideias preconcebidas e de preconceitos os fatos que se quer destacar mediante a formulação de uma interpretação psicanalítica. Nesse sentido, apresenta-se uma atualização de conceitos que permita a transformação de um enunciado teórico em um enunciado instrumental que favoreça a observação das relações sem objetos relacionados na constituição de uma personalidade. Partindo da Teoria das Transformações, de Bion, o autor propõe um tipo de interpretação composta por um continente modelístico e um conteúdo abstrato, que chama a atenção para as relações sem objetos relacionados subjacentes. Propõe e estuda uma técnica em que a interpretação deixa de ser um conteúdo para ser um continente insaturado. Para tanto, oferece uma ilustração clínica da técnica desenvolvida. O trabalho procura investigar as perguntas: o que um psicanalista faz’ O que é interpretar’ Qual é a linguagem adequada para a interpretação’

Palavras-chave: técnica; interpretação; observação; teoria.

Resenhas