Sumário (Clique nos títulos para acessar editorial ou resumos disponíveis)
Este é o primeiro número sob a égide do novo corpo editorial. É com grande satisfação, e ao mesmo tempo dando-me conta da responsabilidade envolvida, que inicio esta empreitada. Estou assessorado por um corpo editorial de pessoas muito sérias e perspicazes, destacando-se Elsa Vera Kunze Post Susemihl, editora associada, como valiosa companheira de árduo trabalho. Nosso intuito é prosseguir com a evolução deste prestigioso periódico científico, visando aumentar cada vez mais o seu alcance e relevância.
Agradecemos todo o apoio que tivemos de antigos editores com quem conversamos, dos quais obtivemos valiosas informações para iniciarmos nossa jornada: João Baptista Novaes Ferreira França, Elias Mallet da Rocha Barros, Leopold Nosek, Bernardo Tanis, Silvana Rea e Marina Massi.
Consideramos este um número de transição entre a gestão passada e o nosso projeto editorial para esta gestão, que será apresentado em sua forma definitiva a partir do próximo número. Neste primeiro, publicaremos os trabalhos das plenárias do LII Congresso Internacional de Psicanálise da IPA, a ser realizado em Vancouver, e alguns artigos que já haviam sido avaliados para a publicação pela gestão passada, mas que não encontraram espaço nos números anteriores. Foram escolhidos para a publicação, pela atual equipe, por terem pontos em comum com os artigos das plenárias e também entre si.
O número 2 deste ano terá como tema A escrita da experiência clínica e seus dilemas na atualidade e será constituído por trabalhos que levem em conta essa temática e por outros que estamos recebendo e avaliando. Aguardamos que muitos colegas tenham se sentido estimulados a nos enviar suas reflexões, tanto sobre a temática proposta como sobre outros temas provindos dos próprios interesses, e contamos receber a produção de artigos provenientes de todas as partes do país. Vale lembrar que eles precisam sempre levar em conta os padrões exigidos e esperados pela Revista Brasileira de Psicanálise e estar de acordo com as orientações aos colaboradores, que constam no final deste volume, destacando as questões de confidenciabilidade e sigilo do material clínico para que se mantenha nos mais altos parâmetros de avaliação de um periódico científico.
As quatro plenárias de Vancouver têm como tema O infantil, que é desenvolvido pelos autores de forma bastante extensa, considerando vários vértices desse termo: seu histórico e seus diferentes usos na neurociência, na literatura, nas artes e, principalmente, na psicanálise. Nas apresentações de Jorge Canestri, Bernardo Tanis e Bonnie Litowitz, é feita uma retrospectiva aprofundada sobre o termo e sobre como ele é tratado por inúmeros autores de grande relevância. Ressalta-se o lugar do infans como aquele que não tem fala e das dimensões psíquicas que estão no campo do não verbal, discutindo-se de diferentes formas como apreendê-lo através da construção, da imaginação e da experiência intersubjetiva, ressaltando-se também sua existência perene ao longo de distintos reordenamentos e ressignificações. Já Glen Gabbard sublinha a presença do infantil na experiência de término da análise, acentuando sua intensidade ao estudar a defesa contra ele.
O trabalho de Ester Hadassa Sandler articula-se com os precedentes ao tratar do atendimento de uma criança de 3 anos de idade, enfatizando, na questão edípica, algo que costuma ficar como pano de fundo, mas cuja importância estruturante a pandemia lhe possibilitou abordar: a peste.
Marta Úrsula Lambrecht mantém o diálogo ao falar de lembranças e acontecimentos arcaicos da infância que se intrometem e se inscrevem sem serem reprimidos, deixando restos de memória, e ao considerar a peste como elemento significativo.
O artigo de Edival Antonio Lessnau Perrini também tem relação com os primeiros por ressaltar os aspectos não verbais da experiência analítica, assinalando os fatos ocorridos no campo comum entre analista e analisando que não são abarcados pelas associações do último. Propõe o termo criação como uma evolução da elaboração e o desenvolvimento de uma linguagem de emoção, a partir de ideia formulada por Celia Fix Korbivcher.
Stephanie Brum, baseando-se na obra de Ferenczi, Balint e Winnicott, propõe uma modalidade de prazer que não está associada à ideia de economia psíquica ou de descarga. Partindo do conceito de anfimixia de Ferenczi, supõe uma sexualidade infantil que não visa alcançar a genitalidade. Considera a existência de um prazer terno e do orgasmo do ego, que não estaria associado à sensualidade, como algo a ser levado em conta na situação edípica.
Por fim, João A. Frayze-Pereira revisita o famoso artigo de Freud sobre Leonardo da Vinci, que considera de grande relevância para o desenvolvimento do pensamento clínico freudiano, bem como para o campo estético, a despeito das críticas feitas a vários aspectos dele. Elias Mallet da Rocha Barros comenta o artigo de Frayze-Pereira, desenvolvendo uma instigante reflexão em que relaciona o tipo de interpretação proposta sobre a obra de arte com o que se passa durante uma sessão analítica.
Boa leitura.
O in-fans, aquele que não pode falar, precisa de alguém que fale por ele, principalmente um psicanalista, para que possa ouvir novamente a linguagem “silenciosa” que se expressa no tempo do Jetztzeit. Através de uma reflexão acerca do trabalho de Freud sobre a afasia e de sua troca de cartas com Fliess, é possível identificar uma prévia importante, que consiste em uma espécie de pré-semiótica, assim como uma hipótese sobre a memória. Além disso, história, sociologia, semiótica e neurociência são interlocutores necessários para o desenvolvimento do tema “o infantil” na psicanálise.
Palavras-chave: infans, infantil, afasia, tradução, semiótica
Em nenhum outro momento a persistência do infantil é mais evidente do que no processo do término. Freud foi incaracteristicamente sincero ao dizer que questionava se uma verdadeira transformação era alcançada no término. Ele observou: “Às vezes bem se pode duvidar que os dragões dos primórdios estejam realmente extintos”. A intensidade e a onipresença do infantil em nosso trabalho serão mais bem vislumbradas pelo estudo da defesa contra o infantil.
Palavras-chave: término, infantil, dragões dos primórdios, raiva, tristeza
Este trabalho aborda vários fatores que contribuem para a construção do infantil, fatores que abrem múltiplas perspectivas teóricas. Quais dimensões particulares são mais relevantes para qualquer construção é algo que depende, em última análise, de sua utilidade para o analista no estabelecimento da intersubjetividade com os pacientes na prática clínica.
Palavras-chave: infantil, infans, intersubjetividade, funções egoicas, múltiplas dimensões
O objetivo deste texto é apresentar a importância fundamental do infantil para a clínica e a teoria psicanalíticas. O infantil pode ser apreendido na experiência psicanalítica como expressão princeps da realidade psíquica, da dimensão inconsciente da subjetividade humana. O infantil não concerne apenas aos analistas de crianças, pois não é assimilável à infância ou às fases de desenvolvimento. Diferente
do infantilismo comportamental, o infantil obedece a uma sobredeterminação causal, não linear, de composição aberta ao acaso, ao incerto. Longe de ser uma memória fotográfica do passado ou de condutas infantis no adulto, o infantil aponta para os modos de registro e inscrição do que Freud chamou de Erlebnis, “vivência infantil”. A tese nuclear é que, para o sujeito, na clínica psicanalítica e independentemente de preferências por um ou outro modelo teórico-clínico, estará sempre em jogo a eficácia dessas inscrições, sua metabolização e simbolização possível ou não, e sua força pulsional viva no presente. O infantil não emerge apenas como resistência ou testemunho do recalcamento da sexualidade infantil, mas como representante atual e vivo da busca por uma experiência criativa e reparadora (neogênese) do que não pôde ser experimentado como continuidade de ser, como expressão potencial, como impulso criativo, e que, por incapacidade ou inadequação do objeto primário, teve de ser recalcado ou clivado. Transformar a relação com o infantil não significa eliminá-lo, mas permitir um reordenamento, uma ressignificação para que o novo possa advir. Fonte de desilusão ou inspiração, nunca deixará de ser referência.
Palavras-chave: infantil, memória, temporalidade, sexualidade infantil, enquadre
Na trama complexa de eventos inter-relacionados que caracterizam a situação edípica como encruzilhada de desenvolvimento, destaco a questão da reparação observada na experiência analítica com o pequeno Fritz e estabeleço paralelos com alguns desafios éticos apresentados pela experiência recente da pandemia do novo coronavírus.
Palavras-chave: complexidade, Édipo, ética, pandemia, reparação
Diante dos impactos da pandemia, a autora reflete sobre invasores impiedosos e invisíveis que penetram com veemente violência, como as cenas do inconsciente não recalcado, da mais tenra infância, que deixam restos de memória celular que se configuram como traumatismos internos e costumam se manifestar em face de traumas externos, como notaremos na clínica comentada no texto. O conceito de nachträglich, entendido como o efeito retardado de uma lembrança traumática, fundamenta este escrito. Ilustrações clínicas de atendimentos pontuais de escuta psicanalítica por videochamada são apresentadas, a fim de abordar a vital importância, para sua sustentação, do setting interno do analista.
Palavras-chave: après-coup, setting interno, escuta psicanalítica, videochamada
O objetivo deste trabalho é propor reflexões, baseadas na teoria, na experiência clínica e na arte, sobre as profundas alterações que a técnica psicanalítica vem sofrendo, principalmente a partir da teoria das transformações, de Bion. Ampliada a regra fundamental de Freud, a experiência emocional ganha destaque na apreensão da dupla psicanalítica e mobiliza a necessidade de se aproximar do criar como fator essencial na construção de uma linguagem que coloque analista e analisando em comunhão. A linguagem de emoção passa a ser produto dessa criação e responde, quando exitosa, a questões práticas que nos desafiam em toda sessão analítica: O que falar? Para que falar? Quando falar? Como falar?
Palavras-chave: técnica psicanalítica, teoria das transformações, experiência emocional, criar, linguagem de emoção
Neste artigo a autora se propõe a examinar o desenvolvimento do conceito de prazer a partir do trabalho de Ferenczi, Balint e Winnicott. Com base em pontos-chave tratados por cada um dos autores, busca estudar uma modalidade de prazer que, diferente do proposto pela psicanálise clássica, não se encontra necessariamente referida a uma economia psíquica ou à ideia de descarga.
Palavras-chave: prazer, descarga, Ferenczi, Balint, Winnicott
No ensaio “Leonardo da Vinci e uma lembrança da sua infância”, Freud abriu um campo de implicações entre psicanálise, arte e estética da recepção, evidenciando uma maneira de trabalhar e pensar que permite interrogar o método psicanalítico nos estudos dedicados à arte, assim como na clínica.
Palavras-chave: estética, arte, clínica, psicanálise aplicada, psicanálise implicada
Neste texto, traço a relação do tipo de interpretação da obra de arte proposto por J. A. Frayze-Pereira com o que se passa numa sessão de análise. Na sessão, a “obra” do paciente é a narração de seus conteúdos mentais em busca de uma forma simbólica. Nesse processo, sugiro que o que é evocado no analista, que se transforma numa interpretação ou comentário, é central na constituição de seu significado e parte dele. Daí considerarmos a transferência uma poiesis.
Palavras-chave: interpretação, forma, poiesis, biografia, obra de arte