Editorias e Resenhas

O processo criativo. Transformações e ruptura

Autor: Claudio Castelo Filho
Editora: Blucher, São Paulo, 2015, 334 p.
Resenhado por: Paulina Cymrot (1)

Há décadas que convivo com Claudio. Tenho por ele um grande apreço. Senti-me honrada em poder fazer a resenha deste importante livro. Não é por acaso que a obra trata do processo criativo – criatividade não falta a Claudio, e seus trabalhos psicanalíticos e artísticos são demonstrações disso. Nesta se¬gunda edição, o autor fez elaborações que resultam de seu trabalho, de seu estudo, de suas vivências nos últimos 10 anos desde a primeira edição do livro.
A leitura do texto é estimulante. Nota-se o trânsito consistente que Claudio faz pela psicanálise de Freud, Klein, Bion e outros, além de falar em nome próprio com excelente argumentação. Generosamente, articula suas ideias com a prática clínica e com exemplos da vida cotidiana. Passeia pela história, pela literatura, pelas ciências e pelas artes. Utiliza-se de sua experiência de vida, de sua análise pessoal, como psicanalista, como artista, para examinar cuidadosamente o processo criativo. E pergunta: o que é o processo criativo? Como surgem as obras de arte, as teorias científicas? Que condições mentais favorecem ou dificultam o processo criativo? Os grupos anseiam pelos indivíduos criativos, geniais? Sentem-se ameaçados por eles? Há relação entre experiências emocionais e capacidade para pensar, criar?
Para Claudio, os pensamentos seriam ajudados pela tolerância às dúvidas e às experiências vividas, pela continência às angústias e emoções, já que a criatividade não é um fim a ser conquistado. O sujeito é surpreendido se ele se deixa penetrar, se vive a experiência em lugar de querer entendê-la, explicá-la. O autor acredita que indivíduos criativos têm condições mais favoráveis para a capacidade imaginativa, para sonhar, fantasiar, intuir, para perceber realidades até então não percebidas. Transformam elementos sensoriais em não sensoriais de modo singular e numa comunicação universal, e isso não depende de uma deliberação racional, programada, como nos lembra Claudio.
O escritor, o artista, o pesquisador, o psicanalista destacam-se por sua capacidade de conter o desassossego, o caos mental, de captar o óbvio que não é alcançável pela maioria dos humanos. Tal qual a tela em branco do artista, Claudio nos relata suas imagens/sonhos em algumas sessões de seu trabalho clínico, ciente de que novas descobertas podem ser acompanhadas de preocupações, de ameaças; de que o indivíduo genial pode ser alvo de desorganização mental, de idealizações e/ou ataques destrutivos por parte do grupo, do establishment e dele mesmo. Experiente, Claudio não descarta a ideia de que o crescimento mental pode estimular experiências de várias naturezas e em diferentes pessoas. Pode ser estimulante, intolerável, desagregador…
Os psicanalistas aprenderam com Freud que os sintomas, as patologias são formas de sobrevivência psíquica. Por mais sofrida e precária que seja a defesa que a pessoa organiza para existir, dela não se desfaz se não lhe é ofertada alguma compensação. Como escreve Claudio neste instigante livro, a curiosidade, a abertura para experimentar, pode ser tolerada por quem to¬lera experiências emocionais correspondentes. É função do psicanalista atuar como continente para essas experiências, respeitando os recursos, o ritmo, as capacidades do analisando, ou seja, a ética da psicanálise.
Debruçando-se sobre os conceitos de narcisismo e social-ismo (Bion), Claudio investiga o conflito que o ser humano vive de precisar corresponder a determinado grupo, de aparentar e poder/não poder ser quem ele é. Para algumas pessoas, não serem reconhecidas por um grupo equivale a não terem existência.
O autor dialoga com Klein e Bion a respeito dos fatores que facilitam e dos que dificultam o processo criativo, e apresenta as suas ideias. Com a seriedade e a profundidade do estudioso, do pesquisador, do clínico, Claudio questiona se os gênios seriam capazes de conter intuições sem se tornarem psicóticos, e se genialidade e loucura caminham de mãos dadas.
Brinda-nos com um capítulo sobre o gênio e o establishment, e outro, interessante e criativo, sobre como Freud e Bion compuseram suas obras.
Servindo-se de sua experiência de vida, profissional, artística, de estudo, Claudio acredita que a maioria das descobertas ocorre de modo intuitivo, surpreendente, inesperado, em mentes que podem comunicar o que captam. O indivíduo excepcional veicula ideias disruptivas no grupo; a reação do grupo, do establishment pode ser a incorporação do gênio ou não.
Na clínica, o processo criativo é interminável, o inconsciente é infinito.
Considerando o aprofundamento do tema e a riqueza da argumentação do autor, a leitura do livro é indispensável para psicanalistas, artistas e pessoas sensíveis que se interessam pelo ser humano.
O ato criativo gera perplexidade, surpresa, insight, encantamento. Conduz a uma experiência antes impensada, desconhecida, reveladora, surpreendente – a uma descoberta. Na psicanálise, uma experiência como essa faz o psicanalista e o analisando sentirem que não são mais os mesmos.

(1) Analista didata da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP), doutora em psicologia clínica, autora dos livros Ninguém escapa de si mesmo: psicanálise com humor e Elaboração psíquica: teoria e clínica psicanalítica.

Publicado na Revista Brasileira de Psicanálise • Volume 51, n. 2, 224-226 • 2017

24 de junho de 2019