Editorias e Resenhas

Grupos. Uma perspectiva psicanalítica

Autor: Lazslo A. Ávila
Editora: Zagodoni, São Paulo, 2016, 168 p.
Resenhado por: Any Trajber Waisbich (1)

Resenhar este livro para a RBP abre uma conversa a respeito de um tema polêmico em nossas instituições. Sabemos que psicanalistas trabalham e trabalharam em psicanálise de grupo, e alguns foram expoentes nessa área. Mesmo assim, temos um histórico marcado por pouco reconhecimento dessa forma de atuação, além de escassos estudos sobre o tema.(2)

O livro, elaborado a partir da republicação de artigos, apresenta um panorama de uma das áreas menos abordadas da história da psicanálise brasileira. Cada um dos textos debruça-se sobre um aspecto da análise de grupo, num contínuo de informações, formações, práticas e construções teóricas do que o autor chama de grupalidade. A construção dessa coletânea passa pela cuidadosa reflexão de um grupanalista preocupado em sistematizar o conhecimento sobre análise de grupo aqui e agora. Lazslo é um teórico que se baseou em sua prática de mais de 30 anos e buscou a companhia de autores como Freud, Pichon-Rivière, Puget, Bion, Kaës e Anzieu. Os artigos nos convidam a conhecer e traçar novos percursos orientados por um especialista no assunto.

Ao longo dos capítulos, são apresentadas várias técnicas, teorias e for­mas de atuação sob o prisma de que uma análise grupal vai além da análise dos indivíduos. O grupo comporta mais do que a soma desses indivíduos, havendo portanto uma dinâmica própria a ser apreendida pelo analista, cuja meta seria promover o conhecimento onde inexistia o diálogo.

Na revisão bibliográfica, constam os textos antropológicos de Freud, como Totem e tabu (1913), Psicologia das massas e análise do eu (1921) e O Ego e o Id (1923). O autor coteja artigos de Adorno e Horkheimer que postulam o indivíduo como um ser social em conflito permanente com seus semelhantes – tema básico da sociologia frankfurtiana.

Baseado em Bion, sintetiza as teorias de grupo a partir do livro Experi­ências com grupos (1961), especificamente os três pressupostos básicos: depen­dência, acasalamento e luta e fuga, que fundamentam o comportamento dos membros do grupo e suas relações conscientes e inconscientes dentro dele. Introduz também as contribuições desse autor no campo da psicossomática. Apresenta textos contemporâneos de R. Kaës e D. Anzieu que definem grupa­lidade como a quarta ferida narcísica da humanidade, junto com a revolução copernicana, o darwinismo e a psicanálise. O eu seria uma experiência da psi­que grupal, em que se formaria a matriz das relações intersubjetivas – numa operação de desconstrução daquilo que parece constituir os grupos, questio­nando o indivíduo como unidade da realidade grupal.

Nos textos seguintes, discorre sobre a psicanálise das relações vinculares ao traçar a existência de um nível grupal latente, em que emerge o poder e a vida dos grupos. Na teoria das configurações vinculares, as relações aconte­cem antes dos indivíduos. A ideia de eu nasce dentro da configuração de um desejo do outro.

Lazslo desenvolve uma teoria que denomina de trofolaxe grupal, tirada da biologia e que permite fazer uma analogia com os mecanismos de regula­ção e dinâmica grupal. O eu é sempre eu-outro, uma entidade plural, o macro­cosmo representado no microcosmo grupal – daí a necessidade de desenvol­ver uma linguagem comum de códigos compartilhados, de modelos nascidos da construção do grupo.

Num dos artigos subsequentes, descreve as dez primeiras sessões de um grupo aberto e comenta tanto a interpretação como os entrelaçamentos teóri­cos utilizados ao longo do livro.

Os grupos possuem uma estrutura, uma dinâmica, uma meta, um sis­tema de comunicação e uma forma de vinculação com outros grupos. Essas características emergem ao longo do tempo e com base na qualidade de sua constituição. O autor estabelece a diferença entre agrupamentos e instituições e aborda a força do Estado como reprodutor de uma situação de exclusão de determinada faixa da população. Diz ele: “Analisar grupo é fazer ressaltar as es­truturas dominantes dos acontecimentos individuais” (p. 25). Lazslo trabalha com uma população menos favorecida na tentativa de fortalecer, desenvolver e por vezes constituir grupos originários e inserir o indivíduo na sociedade.

Por último, gostaria de levantar alguns questionamentos que permea­ram a leitura deste livro. Percebem-se correlações feitas pelo autor ao trabalhar com grupos em diversas áreas da saúde, e não em consultórios particulares. Majoritariamente, as experiências acontecem em regiões menos desenvolvidas das cidades, nos bairros pobres das metrópoles, nas periferias, nos Centros de Atenção Psicossocial (Caps), em unidades de Assistência Médica Ambulatorial (ama), em hospitais e instituições de ensino. A pergunta torna-se inevitável: nos dias de hoje, continua a haver uma análise diferente somente para essa população, que não pode usufruir dos benefícios de uma análise convencional?

Nota-se a insistência em legitimar um lugar de destaque para a análise de grupo no campo psicanalítico, o que sugere a tentativa de realocá-la num patamar diverso do que se encontra. Continuariam a existir suposições de que a análise de grupo seria um trabalho menor?

O esforço em consolidar uma teoria contemporânea a respeito de aná­lise de grupo leva o autor a quase falar de outra tópica – tópica que inverte o paradigma freudiano de que o Id abriga inumeráveis existências do Ego. Em O Ego e o Id, Freud coloca em questão a relação do indivíduo com o outro, a necessidade de trabalhar o conceito de eu articulado com a questão do nar­cisismo e como a angústia moral tem a ver com o cultural e com o pulsional. Lazslo, por sua vez, afirma que o sentido se redefine, e assim “cada Ego indi­vidual é a emanação de um Id compartilhado por toda a humanidade” (p. 16), ideia que me parece deslocada do sentido original. Seria a psicanálise de grupo uma nova teoria ou poderia se enquadrar num aprimoramento teórico-clínico fundamental para que se alcancem novos horizontes?

Para terminar, deixo o autor falar: “Vivemos um momento individua­lista em que priorizamos o sujeito apartado de seu grupo, como se isto fosse possível” (capítulo “A alma do grupo”).

 

(1) Psicanalista, membro efetivo da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP).

(2) O Jornal de Psicanálise, em 2015, lançou um número inteiro dedicado a grupos – o único número relativo ao tema no âmbito da Associação Psicanalítica Internacional (IPA) (vol. 48, n. 88, Análise de grupo e grupos em análise).

 

Revista Brasileira de Psicanálise · Volume 51, n. 2, 245-247 · 2017

7 de junho de 2019